domingo, 29 de julho de 2007

LIÇÃO 5

Como já dissemos, os sistemas numéricos foram sendo expandidos sucessivamente, à medida que se constatavam as suas insuficências. Expandir significa que o sistema expandido em cada etapa, engloba todos os sistemas anteriores. O sistema de números reais é considerado o sistema final, aquele onde foram atendidas todas as insuficiências. No entanto, para os matemáticos, o sistema realmente completo é o representado pelos números complexos, apesar de estes não resultarem da expansão dos números reais. Porém, não quero antecipar-me tratando agora deste assunto, que deve aguardar a sua oportunidade.

Os números reais incluem os números irracionais, que são de “natureza” diferente dos anteriores. Estes, ou seja, os números racionais, são ilimitados, não existe número que seja o maior de todos. São seqüências ordenadas sem fim, não terminam nunca. Por isso, são chamados de infinitos. Só que esse infinito nunca é alcançado. Com os números irracionais não é assim, têm um limite, um valor, que não é ultrapassado. Além disso, esse valor só é atingido quando o número irracional for infinito, o que parece um paradoxo. O que acontece, é que o número irracional pode ser obtido por uma série convergente, isto é, por uma somatória infinita de termos, que se completa em um determinado valor quando atinge o infinito. Por esse motivo, Konrad Knopp, matemático alemão, fez o seguinte comentário em Infinite Sequences and Series, Ed. Dover Publications Inc. N. Y. , 1956 : “A designação ‘soma’ usada habitualmente para o valor de s é, apesar de tudo, infeliz. Porque s não é uma soma, mas na verdade o limite de uma seqüência de somas, especificamente, a seqüência de somas parciais de séries. Isto é especialmente enganador, pois leva a crer que se pode operar com séries infinitas exatamente como se fossem somas ordinárias, ou seja, como somas tendo um determinado número finito de termos.” Esta característica dos números irracionais fica bem evidente na representação desses números na forma de frações contínuas. A fração contínua consiste na soma de um número com uma fração, onde esta por sua vez, é também a soma de um número com uma fração e assim sucessivamente, ad infinitum. Assim, a 2 tem a seguinte expressão :

1

2 = 1+ -------------------------

1

2 + ------------------

1

2 + ------------

2 + ...


Agora se nesta fração contínua, separarmos as frações parciais a partir do número 1 para a direita, considerando, sucessivamente, somente a parte até cada número 2 , os valores obtidos formam a seguinte seqüência de valores :

1/1, 3/2, 7/5, 17/12, ... , onde cada denominador é a soma do numerador com o denominador da fração anterior e o numerador, por sua vez, é a soma do seu denominador com o denominador da fração anterior. Esta seqüência de números racionais, apresenta uma característica muito interessante, os seus valores são, alternadamente, menores e maiores do que 2. Assim, a seqüência em questão é a “combinação” de duas seqüências convergentes, que podem perfeitamente ser consideradas em separado, uma da outra. A observação importante a fazer, é que esses valores parciais são meras aproximações, visto que não representam o número irracional 2 que é infinito.

Porém, como já dissemos, os números racionais e os números irracionais fazem, ambos, parte do sistema de números reais. Além disso, todos os números dessas duas categorias, podem ser representados por pontos de um eixo numérico, onde, como também já dissemos, são entidades geométricas adimensionais, o que pressupõe a continuidade no eixo numérico. Tratando-se de sistemas ordenados, Richard Dedekind, (1831-1916), matemático alemão, tomando por base os conceitos acima, definiu que a continuidade numérica estava garantida, quando fosse possível realizar um corte separando os números em duas classes, onde qualquer número de uma das classes estaria “posicionado” em relação a qualquer número da outra classe. A continuidade existiria se e somente se, no corte, uma classe estivesse “aberta” e a outra “fechada”. Quer dizer, considerando da esquerda para a direita, a classe da esquerda não teria o último elemento, ao passo que a classe da direita teria o primeiro elemento ou vice-versa. Esta definição corresponde exatamente ao caso das duas seqüências de 2, onde tanto uma como outra se enquadram nas condições exigidas pelo corte. Se considerarmos agora no sistema de números reais, somente os números racionais, verificamos que as condições de corte não se apresentam, por existirem intervalos que são preenchidos pelos números irracionais. Em resumo, o sistema de números reais engloba dois tipos de corte, o dos números racionais e o dos números irracionais. O primeiro, em que a unidade de medição se repete indefinidamente, estabelecendo uma correspondência uma-a-uma, similar e isomórfica, entre os números racionais e os números naturais e o segundo, em que a unidade de divisão evolui, convergindo para o valor limite do número irracional onde se dá o corte. Quanto aos números racionais decorrentes das interrupções no valor infinito do número irracional, eles não correspondem a nenhum corte, são apenas aproximações sucessivas a esse valor.

Vejamos um exemplo muito simples da distinção entre séries finitas e infinitas. Consideremos a série finita 1 – 1 + 1 – 1... +- 1 e que inserimos parenteses agrupando os seus números dois a dois (1 – 1) + ( 1 – 1) + ( 1 – 1 ) + ... . Se o número de elementos for par a soma será 0 , se for ímpar será 1, independentemente da ordem com que os pares podem ser agrupados. Ou seja, a série finita tem a propriedade associativa da soma. Admitamos agora que a mesma série é infinita. Se ao pares forem agrupados ( 1 – 1 ) + ( 1 – 1 ) + ... o resultado da soma será 0, mas se forem agrupados 1 – ( 1 – 1 ) – ( 1 – 1 ) – ... o resultado da soma será 1, o que mostra que a propriedade associativa não se aplica neste caso.



Bem, fico por aqui. Até a próxima LIÇÃO.


LIÇÃO 4

Voltemos aos números e à sua evolução. Vimos como eles se expandem à medida que revelam as suas insuficiências no atendimento às quatro operações aritmétricas. Dos números naturais passamos aos números inteiros positivos, e juntando a estes o zero, os números inteiros negativos e os números fracionários, obtivemos os números racionais. Também mostramos como os números racionais se “camuflam”, assumindo formas infinitas de dízimas periódicas, sem perder a sua natureza. O sistema dos números racionais, tal como o dos números naturais e o dos números inteiros, é um sistema ordenado, quer dizer, dados dois números do sistema, pode-se sempre afirmar que um em relação ao outro, ou é maior ou é menor. Entre dois números naturais consecutivos não se pode inserir um outro número natural, isto é, os números naturais têm uma seqüência numérica única e definitiva. Os números racionais têm uma estrutura diferente, entre dois múmeros racionais sempre existe um outro número racional. Por isso, diz-se que este sistema tem uma estrutura específica diferente, ela é “densa”. Por sua vez, o sistema de números racionais também teve que ser expandido, para absorver os números irracionais, que se dividem em números algébricos e números transcendentes. Algébricos quando satisfazem equações algébricas com coeficientes racionais e transcendentes caso contrário. Estes últimos são números isolados, infinitos e não-periódicos, que representam grandezas numéricas. Apesar da distribuição dos números racionais ser densa, há, na verdade, muito mais números irracionais que racionais. Se juntarmos os números irracionais aos racionais, formamos o sistema dos números reais. Este sistema é muito diferente dos anteriores que lidam apenas com números inteiros, ao passo que os números reais incluem todos os números infinitos não-periódicos. Consideremos uma linha reta horizontal e marquemos nela, aleatoriamente, um ponto, que definimos como sendo o O. Do lado direito e a uma distância, também aleatória, do ponto O, marquemos outro ponto, que definimos como sendo o 1. Temos assim um eixo numérico, onde com estes dados, podemos distribuir na linha reta, todos os números. O eixo numérico é uma representação interessante, uma visualização das classes de números, que ajuda a compreender as suas naturezas. Admitamos os números naturais, aos quais adicionamos o O. A seqüência dos números naturais vai-se desenvolvendo a partir do O para a direita, de uma forma contínua e ilimitada. Eles têm um começo, o zero, mas não têm fim, do lado direito, vão até ao infinito. Para entender os números naturais, é preciso conhecer os axiomas de Giuseppe Peano. (1858-1932), matemático italiano, que foi quem definiu as propriedades desses números :

1. O zero é um número.

2. Qualquer número natural ou o zero, a , tem um sucessor imediato. a + 1.

3. O zero não é sucessor de nenhum número natural.

4. Não existem dois números com o mesmo sucessor imediato.

5. Qualquer propriedade que seja do zero e também do sucessor imediato de qualquer número natural, é uma propriedade de todos os números naturais.

O último axioma é chamado de axioma da indução, por ser o que permite afirmar que os números naturais prosseguem indefinidamente. Realmente, os números naturais desenvolvem-se repetindo continuadamente um único passo, o do axioma 2. Isto é, ao avançar de um número, o conjunto volta exatamente à mesma condição anterior, o que permite induzir que a sua repetição é contínua e ad infinitum. Já vimos que é possível realizar a correspondência biunívoca dos elementos do conjunto dos números cardinais sobre os elementos do conjunto dos números naturais, ou seja, o número cardinal n , resulta da bijeção de um conjunto enumerável e finito sobre o subconjunto 1, 2, 3, ..., n dos números naturais. Os números cardinais representam, portanto, um número infinito de conjuntos finitos ordenados, quer dizer, conjuntos cujas seqüências obedecem a uma lei de formação, o axioma 2 de Peano. Assim se a e b forem dois números quaisquer, eles devem satisfazer uma e só uma das seguintes relações a < b , a = b , a > b . É claro que no caso dos números cardinais, esta lei fundamental da aritmética só se verifica para as desigualdades, pois a igualdade fica restrita à identidade a = a , visto que dois números cardinais nunca podem ser iguais. Além disso, apesar de ocorrerem referências a “infinidades”, não significa que nos números cardinais, o infinito esteja envolvido. Talvez teria sido melhor dizer que os números cardinais são ilimitados e não em número infinito. De fato, por maior que seja o número cardinal considerado, a sua posição não se altera na seqüência ilimitada dos números, não fica nem mais próximo nem mais afastado do ilimitado, pois não existe algo que possa qualificar-se como “infinito”. Não obstante Cantor, de quem já falei, mostrou que os números reais são inumeráveis, isto é, não é possível contá-los, mas apesar disso, podem ser agrupados em conjuntos eqüipotentes, representados pelo mesmo número cardinal. São os chamados números transfinitos. Vejamos por quê. Consideremos o eixo numérico conforme apresentado. Por meio de régua e compasso, tracemos uma reta perpendicular ao eixo passando pelo ponto 1. Marquemos nessa reta um outro ponto, tendo a mesma distância que o ponto 0 tem do ponto 1. Liguemos o novo ponto ao ponto 0 por uma reta. Obtemos assim, a hipotenusa de um triângulo retângulo de lados adjacentes iguais, cujo valor é a raiz quadrada de 2, um número irracional. Com o compasso centrado no ponto 0 e com a abertura da hipotenusa, podemos marcar no eixo numérico esse número infinito. De modo análogo podemos proceder em relação ao número p , ou seja, obter no eixo numérico o ponto correspondente ao seu valor. Aliás, isso já foi feito, quando dissemos que a curva circular é retificável, quer dizer, obtém-se o ponto marcando, no eixo, o perímetro de um círculo cujo diâmetro é considerado a unidade de medição. O que significam estes procedimentos ? Será que um número infinito, pode ter um ponto como sua representação no eixo numérico ? Sendo o infinito inantigível, como pode um número infinito ter um ponto como sua “imagem” ? Para responder a estas questões, é preciso definir os conceitos de limite e de continuidade.

Fico por aqui. Até à próxima LIÇÃO

quarta-feira, 13 de junho de 2007

LIÇÃO Nº 3

Falar em números é recordar tempos de infância, quando aprendemos a contar no sistema decimal dos 10 dedos das mãos. Nada parecia tão “natural”quanto essa maneira de contar que a natureza nos tinha concedido. Os números naturais 1, 2, 3, 4 , 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, ... era tudo o que precisavamos para a nossa aritmética elementar.
Os números naturais são a classe dos números inteiros positivos, um conjunto ordenado constituido por uma seqüência de símbolos, representando quantidades, com os quais é possível estabelecer correspondências um-a-um com objetos de outras classes. Em resumo, é possível contar esses objetos mediante os números naturais. Esta definição é válida para qualquer sistema numérico, visto que se trata da definição dos números cardinais, isto é, de um conjunto enumerável finito e da correspondência biúnivoca de um número n – o número cardinal – sobre o subconjunto 1, 2, 3, ..., n dos números naturais (bijeção). Quer dizer, a bijeção é a correspondência entre os elementos de dois conjuntos, tal que a cada elemento de um conjunto corresponde um e só um elemento do outro conjunto. Assim, a correspondência um-a-um entre dois conjuntos iguais, serve para um conjunto, o dos números naturais, identificar o outro conjunto, o dos números cardinais. Em relação aos números naturais, há ainda algo fundamental a ser dito. As operações aritméticas de adição e multiplicação fazem parte da “natureza” desses números, da sua essência, visto que somar e multiplicar dá sempre como resultado números também naturais. Estas operações significam apenas deslocamentos dentro de um conjunto fechado, o que é a idéia básica dos números naturais. Vejamos agora a operação inversa da adição, ou seja, a subtração. Com os números naturais, só é possível realizar a subtração, quuando o diminuendo for maior que o diminuidor, caso contrario, o resultado seria um número negativo, que não existe na classe dos números naturais. Para que a subtração tenha a mesma abrangência da adição, isto é, para que possa ser realizada independentemente dos valores envolvidos, temos que expandir a classe dos números naturais, introduzindo o zero e os números negativos. Devemos aos hindus o conceito de zero e aos árabes o de nos terem transmitido esse conhecimento. Subtrair sem ou com números negativos, são procedimentos matemáticos diferentes. Subtrair significa “retirar o que foi colocado”, o inverso da adição e o sinal menos, – , é a notação dessa operação, o oposto ao sinal mais , + , da adição. Com os números negativos não é assim, o sinal – é incorporado ao número, podendo-se admitir a seguinte transformação : ab = a + ( – b). Quer dizer, a subtração passa a ser uma adição de um número positivo com um número negativo e, deste modo, a subtração tem a mesma abrangência da adição, ou seja, pode ser sempre realizada.
Juntando o zero e os números inteiros negativos aos números inteiros positivos, obtém-se a expansão dos números naturais, que passam a ser denominados números racionais. Para que a classe dos números racionais fique completa, temos que incluir as frações de números inteiros, desde que os quocientes sejam números inteiros ou dízimas periódicas na representação do sistema decimal. Consideremos um simples produto, por exemplo, 2x3 = 3x2 = 6. Podemos supor que o primeiro produto 2x3, significa 2 grupos de 3 unidades cada um e o segundo grupo 3x2, 3 grupos de 2 unidades cada um. O resultado é o mesmo, 6, visto que a ordem dos fatores é arbitrária., isto é, o produto tem a propriedade da comutação. No primeiro caso, 2 é o número natural que serve para contar e 3 é o número racional que serve para medir. No segundo caso é o inverso, 3 é o número natural que conta e 2 é o número racional que mede. O que dissemos quanto aos dois produtos, consiste em especificar, para cada um deles, o mútltiplo e o divisor.
Admitamos o conjunto dos números inteiros, incluindo o zero : 0, 1, 2,3, ... e que nele escolhemos um valor absoluto qualquer, de notação |a| , representado pelos dois números + a . Os múltiplos de a são os elementos do conjunto 0, a, 2a, 3a , ... , isto é, são todos os números da forma ka , onde k é um número inteiro. Se a for o número 2 e n um número inteiro, temos 2n , que representa todos os números pares. Já que estamos tratando dos números pares, aproveito para mostrar a vocês a correlação entre os elementos de dois conjuntos, o dos números naturais e os dos números inteiros pares :

Fazendo a correspondência um-a-um entre os elementos dos dois conjuntos como mostra a figura, chega-se à conclusão que eles têm o mesmo número de elementos, visto que ambos são conjuntos infinitos bem ordenados. Isto é, são conjuntos onde existe uma relação de ordem tal que todos os seus subconjuntos têm um elemento menor, ou seja, um “começo”. Como os números inteiros pares são um subconjunto dos números naturais, a conclusão é que “a parte é igual ao todo”, por serem os dois do mesmo “tamanho”. Parece um paradoxo mas não é, porque lidamos com o , isto é, com coleções infinitas todas iguais em tamanho, desde que sejam conjuntos enumeráveis é claro.
Voltemos aos divisores, ou melhor, à divisibilidade. A divisão, como já disse, é a operação inversa da multiplicação, mas não se limita a este conceito. Mesmo com números inteiros, a / b significa basicamente uma relação entre duas grandezas, e quando temos a igualdade de duaas frações, a / b = c / d , dizemos que existe a mesma relação de proporcionalidade. Se a / b = c / d é porque a . d = b . c , quer dizer, na multiplicação cruzada, o produto dos extremos é igual ao produto dos meios. Exemplo de grandezas proporcionais : 6/2 = 12/4 o que dá : 6x4 =2x12 = 24. Se substituirmos os meios por uma mesma incógnita temos a média proporcional de dois números a e b : a / x = x / b , ou seja, = a.b .
Um exemplo de grandezas proporcionais são as escalas aritméticas, onde as grandezas reais são representadas por comprimentos proporcionais. Por exemplo, um desenho na escala 1: 100 , significa que 1 cm no desenho corresponde a 100 cm = 1,00 m na configuração real. Uma régua de escalas é uma régua de seção transversal triângular, dando 2x3 = 6 escalas, usada pelos desenhistas para fazer desenhos. Outra régua que foi muito usada pelos calculistas de estruturas, foi a de escalas logarítmicas, onde as grandezas reais são representadas por comprimentos proporcionais aos logarítmos desses valores. Estas réguas facilitavam o cálculo, substituindo as multiplicações e divisões por, respectivamente, somas e subtrações Com os computadores, estas réguas de cálculo deixaram de ser usadas.
A relação entre duas grandezas pode ser simplificada sem que se altere o seu valor, desde que o numerador e o denominador tenham, pelo menos, um divisor comum. Eliminar o divisor comum consiste em reduzir a fração à sua expressão mais simples. Tendo vários divisores, o procedimento é obter o máximo divisor comum, o mdc, ou seja, o maior número inteiro que divida exatamente o numerador e o denominador. Para tanto, o procedimento consiste em divisões sucessivas, conhecido pelo nome de algoritmo de Euclides, que se baseia, é óbvio, no Teorema da Divisão que aprendemos na escola primária. Dividir um número inteiro positivo por outro, consiste, basicamente, em subtrair do primeiro – o dividendo – um múltiplo do segundo – o divisor – múltiplo esse chamado de quociente, obtendo-se dessa subtração uma diferença que é o resto ou resíduo. Quando o resto é zero, diz-se que a divisão é exata. Por outras palavras, a divisão é um procedimento que procura saber quantas vezes um dado número, o dividendo, contém um outro número, o divisor. Vejamos a aplicação do algoritmo de Euclides a um par de números, por exemplo, 3959 / 1591 :
3959 / 1591 dá resto 777
1591 / 777 dá resto 37
777 / 37 dá resto 0
O último divisor, 37 , dá resto 0 , isto é, 37 é o máximo divisor comum, o mdc, da fração, que, sendo assim, pode ser reduzida à expressão mais simples 107 / 43 , resultante da divisão dos termos da fração pelo mdc, ou seja, por 37.
Como vocês vêem, o algoritmo de Euclides é um procedimento que se repete em cada etapa, onde um par de números é submetido à divisão, obtendo-se um número inteiro positivo como quociente e um resto. A divisão começa com os números dados, sendo que nos passos seguintes, os números são formados pelo divisor anterior, como dividendo, e o resto como divisor. Em resumo, o que se procura é dividir o divisor em unidades cada vez menores, a fim de se alcançar a divisão exata. Quando o resto der 0 , o seu divisor é o mdc da fração. É claro que o conceito de algoritmo não veio do tempo de Euclides, pois foi formulado apenas no século XX. Chama-se algoritmo a uma seqüência finita de regras de operação, destinada a resolver um determinado problema. O procedimento de Euclides enquadra-se nesta definição, por isso é assim chamado. As regras do algoritmo têm de ser bem definidas, isentas de ambigüidades e contradições, para que possam ser aplicadas por computador, através de umna linguagem de programação adequada. O algoritmo, portanto, rege-se por uma lógica própria, que pode ser traduzida pela lógica da máquina. O nome de algoritmo veio da corruptela do nome do matemático árabe do século IX, Abu Ja’far Mohammed ibn Mûsâ al-Khowârizm.

Quero abordar mais uma questão antes de encerrar esta LIÇÃO. Como todos sabem, o Teorema da Divisão diz-nos que b = aq + r , onde q é o quociente e r o resto. Vejamos o que acontece quando fazemos uma série de divisões, tendo todas o mesmo resto para o mesmo divisor. Suponhamos, por exemplo, as divisões onde 7 é o divisor e 3 o resto. Tendo estes valores, as divisões dão os seguintes dividendos : 10 = 7.1 + 3 ; 17 = 7.2 + 3 ; 24 = 7.3 + 3 ; 31 = 7.4 + 3 , e assim sucessivamente. A conclusão é que o conjunto de dividendos 10, 17, 24, 31, ... forma uma progressão aritmética, isto é, uma sucessão onde a diferença entre dois termos consecutivos é uma constante, neste caso (7). Quando os números se relacionam desta forma, diz-se que existe entre eles uma relação de congruência, ou seja, são equivalentes pois têm o mesmo significado. Se a e b forem dois desses números, podemos então dizer que “a é congruente com b módulo m , se e somente se, m dividir (a – b)”. A notação correspondente é : a b (mod m), se e somente |m| (a – b) .
Observem no exemplo dado de progressão aritmética, que a diferença entre dois termos quaisquer, não consecutivos, é sempre de um múltiplo de 7, sendo que esse múltiplo é igual à diferença dos múltiplos de cada termo. Como disse, a relação de congruência é uma relação de equivalência e, por isso, devem ter, como na igualdade, as seguintes três propriedades :
Reflexiva : a a (mod m)
Simétrica : se a b (mod m), então b a (mod m)
Transitiva : se a b (mod m) e b c (mod m) então a c (mod m)
Vocês devem-se lembrar do que eu disse quanto à correspondência um-a-um da Teoria dos Conjuntos e da importância das transposições de um comjunto para o outro na definição das suas propriedades. Pois bem, com o módulo é um caso semelhante. O módulo é uma unidade de divisão que “mede o tamanho” dos números inteiros e sendo assim, podem-se estabelecer correspondências um-a-um entre os elementos de dois conjuntos finitos, o que constitui o fundamento da Teoria dos Grupos.
Reparem na propriedade reflexiva. Representa o princípio da identidade, aquele que nos diz que uma “coisa” é sempre igual a si mesma. No entanto, vocês, com certeza, lembram-se do que eu disse, de que os números naturais e os números inteiros positivos eram duas classes de números, diferentes entre si, apesar de terem a mesma representação simbólica. Se têm a mesma estrutura, isto é, se são isomorfos, então, podemos dizer que têm a propriedade reflexiva. Porém, se são classes diferentes, a propriedade passa a ser a simétrica. Podemos conciliar as duas posições, dizendo que a reflexiva é um caso particular da simétrica, onde um conjunto se relaciona consigo mesmo, como um objeto se relaciona com a sua imagem no espelho. Voltemos ao exemplo da progressão aritmética módulo 7. A seqüência de números 8, 15, 22, 29, ... são todos congruentes módulo 7, visto que 8-1 = 1x7, 15-1 = 2x7. 22-1 = 3x7, 29-1 = 4x7, e assim sucessivamente. Observem que tudo se passa como se após contar até 7, começassemos a contar novamente, repetindo essa contagem até esgotar o seu múltiplo. Podemos dizer o mesmo do ponteiro dos minutos de um relógio, que ao atingir 60 minutos, volta a contar novamente a partir do zero. Os minutos constituem, portanto, um grupo de números de 0 até 60, cujo módulo é 5. De fato, 60-5 = 55 = 11x5, 60-10 = 50 = 10x5, 60-15 = 45 = 9x5, e assim sucessivamente até 60-55 = 5 = 1x5. No relógio digital isto é evidente, pois é possível acertar os minutos sem alterar as horas. Já no relógio mecânico, o ponteiro das horas está interligado com o dos minutos, pelo que são as horas que constituem um grupo de números, de 0 até 12, cujo módulo é 1. Quer dizer, em chegando as 12 horas, os dois ponteiros coincidem e recomeça a contagem a partir do 0.
Chamo a vossa atenção para dois pontos importantes, que resultam do que eu disse anteriormente. Primeiro, todos os números que apresentem o mesmo resto, na divisão pelo mesmo divisor, são congruentes no módulo do divisor. Segundo, na divisão de um número qualquer por outro m, o resto é sempre um número da seqüência que vai de 0 até m-1, como mostra o Teorema da Divisão. Se m for um módulo, todos os números congruentes entre si módulo m, cobrem a seqüência de 0 até m-1, formando uma classe congruente.

Quero encerrar esta LIÇÃO voltando ao conceito de permutação. A Teoria das Probabilidades de que tantos falam, mas só poucos conhecem, lida com eventos em que cada evento, depende não só de vários fatores, mas também da seqüência em que estes acontecem. Assim, a análise combinatória é fundamental na avaliação das probabilidades dos eventos dessa natureza, onde o número de combinações possíveis em um evento de n fatores é igual a n ! , quer dizer, é igual a n fatorial, que é o produto da seqüência de números de 1 até n. Por exemplo, 5 ! = 1x2x3x4x5 = 120 combinações. Nos casos mais simples, os fatores formam somente um conjunto de grupos, mas nos mais complexos, os grupos dependem de subgrupos para a sua avaliação.

Fico por aqui. Até à proxima LIÇÃO.

quarta-feira, 30 de maio de 2007

LIÇÃO Nº 2

Esta LIÇÃO é dedicada aos números considerados não isoladamente, mas fazendo parte da Teoria dos Números. Por se tratar de um vasto campo do conhecimento matemático, a minha abordagem restringe-se a aspectos elementares, que espero sejam suficientemente abrangentes para se ter idéia dos conceitos básicos que fundamentam a teoria.
Aprendi os números, no ensino secundário, como sendo noções intuitivas, que não precisam de ser explicadas. É claro que fiquei sabendo que existiam números pares e ímpares, bem como números primos. Os números eram pouco mais do que isso, incluindo também o sistema decimal e nada mais. Pois bem, há 2.500 anos, os Pitagóricos já sabiam que lidar com os números não era assim tão simples. O que aconteceu foi justamente com o Teorema de Pitágoras, que ao ser aplicado à diagonal de um quadrado, faz com que o seu comprimento em relação ao dos dois lados iguais, seja representado por 2. Só que 2= 1,41421356237309504 ... , isto é, o seu valor não pode ser expresso por uma fração p/q onde p e q são números inteiros. Esta descoberta provocou enorme impacto na escola pitagórica, derrubando a firme convicção de que os comprimentos de dois elementos de uma figura geométrica, podiam sempre ser medidos pela mesma unidade. Por outras palavras. Comecemos pelo Teorema de Pitágoras que todos vocês conhecem : “Em um triângulo retângulo, o quadrado do comprimento da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos comprimentos dos outros dois lados”. Temos portanto a relação algébrica a2 + b2 = c2 e o exemplo mais simples da relação com números inteiros é 32 + 42 = 52 , mas existe um número infinito de outros trios pitagóricos. No entanto, se os dois lados menores do triângulo retângulo forem iguais, não existe nenhuma unidade que dividindo os lados menores em partes iguais, divida também a hipotenusa em partes iguais. O lado e a hipotenusa são grandezas incomensuráveis entre si, quer dizer, não existe nenhuma medida, em números inteiros, que seja comum às duas.
Façamos um breve intervalo para explicar melhor a reação dos Pitagóricos à descoberta do chamado número irracional, cujo exemplo neste caso, é a raiz quadrada de 2. Os Gregos da Antigüidade Clássica, somente admitiam como “verdadeiras”, as configurações geométricas que fossem construidas por meio de régua, (sem escalas), e compasso. Convém esclarecer, desde já, que este conceito está correto se as figuras geométricas construidas dessa forma, representam verdades incontestáveis. É óbvio que o conceito é limitante, visto que sómente se aplica a figuras no plano, mesmo assim não a todas, mas quando existem, são tão verdadeiras quanto as numéricas. Vejamos o exemplo da mais simples de todas : desenhar duas linhas retas perpendiculares. Trace uma linha reta horizontal ; marque nela dois pontos ; com o compasso centrado em um dos pontos e depois no outro, e com um raio de comprimento menor do que a distância entre eles, mas maior do que a sua metade, trace dois arcos cruzando-se de um e do outro lado da linha reta horizontal. Ligando por uma linha reta os dois pontos de cruzamento, obtém-se a perpendicular à linha reta horizontal, passando pelo ponto central da distância entre os dois pontos iniciais marcados aleatoriamente na linha reta horizontal. Este procedimento que, provavelmente, vocês conhecem, é a reprodução geométrica exata da mediana de um triângulo isosceles, ou seja, é a verdade de uma propriedade realizada por uma configuração geométrica. Divirtam-se construindo figuras geométricas com uma régua e um compasso, tal como os gregos fizeram. Experimentem, por exemplo, construir uma estrela de Davi, “fechando-a” com um hexágono, mas sem “pular” nenhum passo.
Vejamos agora como os Pitagóricos chegaram à conclusão que 2 é um número infinito. Com a régua e o compasso construiram um quadrado, aplicando o procedimento das duas linhas retas perpendiculares, mas usando-as como diagonais. Unindo por retas os seus extremos, obtiveram um quadrado, dividido em quatro triângulos retângulos isosceles, onde o comprimento do lado do quadrado é 2 visto que o lado é a hipotenusa do triângulo. Com o compasso, projetaram o lado menor do triângulo sobre a correspondente hipotenusa e verificaram que a relação dos dois comprimentos não era uma relação exata. Tendo o lado menor como unidade, o comprimento da hipotenusa deu maior que 1 mas menor que 1,5. Após alguns anos desta constatação, Eudoxo,(405-355a.C.), apresentou a Teoria da Proporcionalidade, incluindo nela os triângulos semelhantes, isto é, aqueles cujos lados são proporcionais e cujos ângulos são iguais. Sendo os lados proporcionais, a relação não exata obtida pelos Pitagóricos, mantém-se não exata para qualquer outra subdivisão da unidade em partes iguais. Por outras palavras, dividindo a unidade em partes iguais, qualquer que seja o seu número, cria-se uma outra unidade em que a primeira é sua múltipla, onde em nada se altera na relação com a hipotenusa. Por isso, os Gregos não faziam questão da escala da régua, pois as propriedades geométricas mantêm-se independentemente do “tamanho” da unidade. É claro que esta conclusão a partir dos triângulos semelhantes não constitui uma demonstração, pois lidando com o infinito, ninguém pode afirmar que a subdivisão continua sempre com as mesmas propriedades. A comprovação veio mais tarde, cerca de 200 anos depois, quando Euclides demonstrou que a relação das duas grandezas do quadrado não pode ser um número inteiro. O método que Euclides empregou foi depois chamado reductio ad absurdum, do latim “redução ao absurdo”, que consiste em negar aquilo que se deseja provar, para no fim se chegar a uma conclusão totalmente inaceitável, comprovando que o que se negou estava certo. Este procedimento lógico só é válido se a proposição tiver apenas duas alternativas, ser ou não-ser, isto é, a proposição A é verdadeira visto que a proposição não-A é absurda. É o clássico álibi na ocorrência policial, quando o réu nega a acusação, provando estar em outro lugar no momento em que o crime foi cometido.
Voltemos a Euclides e à sua demonstração de que a 2 não pode ser representada por uma fração de números inteiros. Vejamos as premissas incontestáveis adotadas : 1) Qualquer número multiplicado por 2 é um número par ; 2) Se o quadrado de um número for par, então o número tem de ser também par. Assim sendo, consideremos que 2 = p / q . Esta fração pode ser sempre reduzida à sua expressão mais simples, isto é, aquela que resulta da eliminação de qualquer fator comum às duas grandezas. Elevando ao quadrado temos 2 = p / q ou seja : 2q = p . Mas como foi dito em 1) 2q é um número par e portanto p é também um número par. Mas se p é um número par, então por 2) p também é par. Sendo par, p pode ser substituido por 2 m, o que dá 2 q = (2 m) = 4 m . Dividindo por 2 ambos os lados da equação, temos q = 2m , quer dizer, q também é par. Sendo p e q ambos pares, então a fração p / q não está reduzida à sua expressão mais simples. Portanto, a conclusão contradiz a premissa inicial, logo a fração não tem representação em números inteiros. Esta demonstração de Euclides é muito interessante por ele ter abandonado a geometria, incapaz de resolver a questão, recorrendo aos números, usando-os segundo as classes e de acordo com as respectivas propriedades. De fato, a demonstração gira em torno de os números primos, os números inteiros >1, divisíveis somente por si mesmos e por 1. Reduzir à expressão mais simples, é eliminar os fatores comuns às duas grandezas, dividendo e divisor, isto é, reduzí-las a números primos. Isso não significa que ambas tenham que ser, obrigatoriamente, números primos, pois a relação depende da base ou módulo com que se inicia a progressão. Por exemplo, 5 e 9 são números primos entre si, visto que não têm nenhum fator comum, mas, no entanto, 5 é um número primo ao passo que 9 não é, pois 3x3 = 9. Os números não-primos são números compostos, sendo que um número composto pode ser sempre representado por um produto de números primos. Os números 0 e 1 não são números primos nem números compostos, porque são números “especiais”, a divisão por 0 é indeterminada, o 0 é um valor absoluto, que não divide nem é divisível e a divisão por 1 de qualquer número, repete esse número, ou seja, é o elemento neutro da multiplicação e, é claro, da divisão, assim como o 0 é o elemento neutro da soma e da subtração.
O procedimento de decompor um número em seus fatores, chama-se fatoração. Observe que o número 2 é o único número primo par, todos os outros, em número infinito, são ímpares. O fato de 2 ser o único primo par, é que leva à conclusão inaceitável na demonstração de Euclides, comprovando a existência do número irracional 2 .
A divisão é a operação inversa da multiplicação e é desta forma que o conceito de divisibilidade é definido. Dizemos que b divide a se existir um número inteiro c tal que a = bc. A notação da expressão “b divide a” é b| a . Se o traço vertical estiver cortado por um traço inclinado, isso significa que “b não divide a”. Do mesmo modo, dizemos que duas frações são iguais a / b = c / d quando a d = b c . De fato, para “desfazer” as divisões, os divisores b e d têm que “mudar de lado”, isto é, mudar de membro da equação, passar de um lado para o outro, invertendo a operação. Se em um membro estavam dividindo, passam a multiplicar no outro membro. Os divisores b e d passam a ser fatores, ou seja, ad = bc. Estes conceitos elementares da Teoria dos Números servem para fundamentar enunciados mais abrangentes. Vejamos por exemplo, o seguinte teorema : “Se um número primo p for tal que p | ab então é porque p | a ou p | b , ou seja, “traduzindo” : “se um número primo p for tal que divida ab , então é porque p divide a ou divide b ". Este teorema resulta da aplicação direta do conceito de divisão. De fato, se p é um número primo e se divide um outro número, é porque este é múltiplo de p, se não divide é porque são primos entre si. Por outras palavras, se p divide um número, é porque está “contido” nele, “faz parte dele”. Proceder desta forma com os números inteiros n>1, é obter a fatoração, isto é, a decomposição dos números em um produto de números primos. É claro que os números primos aparecem ou como números primos isolados, ou como potências cujas bases são números primos. Com isto chegamos ao Teorema Fundamental da Aritmética cujo enunciado é : “A fatoração de um número inteiro n>1 em números primos é única, independentemente da ordem dos seus fatores”. Esta afirmação de que a decomposição é única não se observa em toda a extensão dos números, obrigando a se recorrer aos números ideais. No entanto não devo me antecipar tratando um assunto tão difícil. Reservo-me para voltar a esta questão quando for oportuno.

Para encerrar esta LIÇÃO, temos que voltar aos números. O objetivo dos Gregos era o de interpretar as figuras geométricas, procurando conhecer todas as sua propriedades, porque nelas estava a “verdade”. A geometria de Euclides lida com comprimentos e ângulos, isto é, lida com quantidades, que para serem medidas, necessitam que se defina a respectiva unidade de referência. Assim, medir um comprimento é saber quantas unidades de referência estão contidas no comprimento a medir. Por isso, para os Gregos, os números inteiros eram suficientes para se obter todas as respostas que desejavam, pois seria absurdo pensar que um lado, por exemplo, teria um comprimento negativo. Além disso e pelo mesmo motivo, não sentiam falta do zero, que aliás desconheciam. De fato, o número zero veio da matemática hindu e foram os árabes que o introduziram no ocidente. Passemos agora aos ângulos. Medir ângulos é uma outra questão, que não tem nada a ver com medir comprimentos. Ângulo é uma figura geométrica formada por duas semi-retas - os lados - tendo o mesmo ponto de origem – o vértice – e cuja abertura dá a medida da sua grandeza. As duas semi-retas formam um plano, por isso, pode-se dizer que a abertura de um ângulo, é o quanto o lado considerado móvel, gira no plano em relação ao lado considerado fixo, no sentido anti-horário, que é o sentido positivo convencional. Deste modo, uma rotação completa do lado móvel em relação ao lado fixo, percorre todos os ângulos possíveis de um círculo, cujo centro é o centro de rotação das duas semi-retas. Agora, se dividirmos a circunferência de um círculo aleatório em 360 partes iguais, criamos a unidade de medida do ângulo, o grau, cuja quantidade contada a partir da semi-reta fixa, dá a abertura do respectivo ângulo. Julgo que todos vocês conhecem os ângulos notáveis do círculo : os ângulos de 45, 90, 180, 270 e 360 graus. Disse que podiamos escolher o círculo aleatoriamente, isto é, qualquer um, que a unidade, ou seja, o grau seria sempre o mesmo. De fato, essa é uma propriedade dos círculos concêntricos. Se dividirmos esses círculos no mesmo número de partes iguais, começando sempre no mesmo ponto, ao mesmo número de unidades correspondem, nos círculos concêntricos, pontos colineares, isto é, pontos situados em uma mesma semi-reta radial. Pode-se ter uma outra unidade de medida de um ângulo, a do arco de circunferência, cujo comprimento, seja igual ao do raio do respectivo círculo. Trata-se portanto de um círculo específico, o de raio unitário, escolhido aleatoriamente. Essa unidade é o radiano, cuja notação é rad. que faz parte do SISTEMA INTERNACIONAL DE UNIDADES.
Vejamos a justificativa desta unidade. Para que uma curva possa ser medida no seu comprimento, é preciso que seja retificável, quer dizer, que possa se transformar em uma linha reta, de tal modo, que a distância entre dois pontos da curva medida no respectivo arco, não se altere entre os mesmos pontos da linha reta correspondente. Isto só acontece se a curva for o limite superior de todas as linhas poligonais que nela se inscrevem, o que é o caso do arco circular. De fato, já vimos que o círculo é o limite superior de todas as poligonais fechadas, não cruzadas, inscritas no círculo, cuja circunferência só é alcançada quando o número de lados da poligonal for infinito. Além disso, precisamos de conhecer qual é a relação entre o perímetro do círculo, ou seja, entre o comprimento da circunferência , e o do respectivo diâmetro, valor esse que é representado pela letra grega (ler pi). Os babilônios e os antigos egipcios já tinham alguma noção desse número, pois foi lhes fácil obter o perímetro de uma roda , marcando um ponto na sua borda e rodando com ela sobre um chão plano onde deixasse o rasto em linha reta de uma rotação completa. Marcando no risco, a partir do início do perímetro, o comprimento do diâmetro da roda, concluiram que para atingir o final do perímetro, precisavam inserir 3 vezes o diâmetro, faltando ainda uma pequena extensão que não sabiam como medir.Verificaram também que se em vez do diâmetro, marcassem o raio da roda, obtinham em relação à metade do perímetro o mesmo número, e se fizessem o mesmo com vários tamanhos de roda o resultado era sempre o mesmo. Quer dizer, o número era uma constante. Na matemática, não existe nenhum número tão pesquisado quanto o número . A avaliação começou com a contribuição de Eudoxo, (405-355 a. C.), da teoria da proporção, da qual resultou o método da exaustão ou método das aproximações sucessivas, que consiste em considerar a seqüência dos perímetros de poligonos regulares, inscritos e circunscritos no círculo, à medida que aumenta o número de lados. As duas classes de polígonos convergem para o mesmo perímetro do círculo, a dos inscritos como limite superior e a dos circunscritos como limite inferior.
Arquimedes, (287-312 a.C.), considerado o maior matemático da Antigüidade, aplicou o método de Eudoxo, começando com hexágonos e dobrando o número de seus lados até atingir dois polígonos de 96 lados. Com essa aproximação, definiu que a relação da circunferência de um círculo com o seu diâmetro era menor que 3 . 1/7 e maior que 3. 10/71 , ou seja, na notação decimal 3,1408 ... e 3,1428 ... . Contribuiram para a avaliação de , astrônomos da India e da China e após a Idade Média, Fibonacci, (1180-1250), e outros, até que, finalmente, fixou-se o seu valor a partir do século XVII em = 3,14159265358979323846... . Esta expansão infinita, assim como a de 2 , são representações na notação decimal, que os gregos não conheciam. O número é também um número irracional como 2 , pois ambos representam expansões infinitas não-periódicas, mas o número é diferente, pertence ao grupo dos números que não satisfazem nenhuma equação algébrica, são os chamados números transcendentes. São números puros, constantes representando relações formais de grandezas matemáticas.
Convém esclarecer melhor por que é que uma expansão infinita periódica deve ser considerada como a representação de um número racional. Vejamos a fração 1/3 que é igual a 0,333 ... . Trata-se de uma dízima periódica, isto é, a representação decimal de um número inteiro, onde um ou mais algarismos repetem-se indefinidamente. É fácil de provar. Sabemos que 3x1/3 = 3/3 = 1 . Se em vez de 3x1/3 fizermos a mesma operação de multiplicação com 3x0,333 ... , temos 0,999 ... , ou seja, 1 = 0,999 ... , o que comprova que se trata de um número inteiro. Não devemos, portanto, confundir nas expressões decimais infinitas, as periódicas com as não-periódicas, visto que são representativas de diferentes classes de números.

Devido à sua extensão, julgo que o melhor é encerrar esta LIÇÃO, deixando para a próxima uma abordagem mais ampla da Teoria dos Números.