quarta-feira, 30 de maio de 2007

LIÇÃO Nº 2

Esta LIÇÃO é dedicada aos números considerados não isoladamente, mas fazendo parte da Teoria dos Números. Por se tratar de um vasto campo do conhecimento matemático, a minha abordagem restringe-se a aspectos elementares, que espero sejam suficientemente abrangentes para se ter idéia dos conceitos básicos que fundamentam a teoria.
Aprendi os números, no ensino secundário, como sendo noções intuitivas, que não precisam de ser explicadas. É claro que fiquei sabendo que existiam números pares e ímpares, bem como números primos. Os números eram pouco mais do que isso, incluindo também o sistema decimal e nada mais. Pois bem, há 2.500 anos, os Pitagóricos já sabiam que lidar com os números não era assim tão simples. O que aconteceu foi justamente com o Teorema de Pitágoras, que ao ser aplicado à diagonal de um quadrado, faz com que o seu comprimento em relação ao dos dois lados iguais, seja representado por 2. Só que 2= 1,41421356237309504 ... , isto é, o seu valor não pode ser expresso por uma fração p/q onde p e q são números inteiros. Esta descoberta provocou enorme impacto na escola pitagórica, derrubando a firme convicção de que os comprimentos de dois elementos de uma figura geométrica, podiam sempre ser medidos pela mesma unidade. Por outras palavras. Comecemos pelo Teorema de Pitágoras que todos vocês conhecem : “Em um triângulo retângulo, o quadrado do comprimento da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos comprimentos dos outros dois lados”. Temos portanto a relação algébrica a2 + b2 = c2 e o exemplo mais simples da relação com números inteiros é 32 + 42 = 52 , mas existe um número infinito de outros trios pitagóricos. No entanto, se os dois lados menores do triângulo retângulo forem iguais, não existe nenhuma unidade que dividindo os lados menores em partes iguais, divida também a hipotenusa em partes iguais. O lado e a hipotenusa são grandezas incomensuráveis entre si, quer dizer, não existe nenhuma medida, em números inteiros, que seja comum às duas.
Façamos um breve intervalo para explicar melhor a reação dos Pitagóricos à descoberta do chamado número irracional, cujo exemplo neste caso, é a raiz quadrada de 2. Os Gregos da Antigüidade Clássica, somente admitiam como “verdadeiras”, as configurações geométricas que fossem construidas por meio de régua, (sem escalas), e compasso. Convém esclarecer, desde já, que este conceito está correto se as figuras geométricas construidas dessa forma, representam verdades incontestáveis. É óbvio que o conceito é limitante, visto que sómente se aplica a figuras no plano, mesmo assim não a todas, mas quando existem, são tão verdadeiras quanto as numéricas. Vejamos o exemplo da mais simples de todas : desenhar duas linhas retas perpendiculares. Trace uma linha reta horizontal ; marque nela dois pontos ; com o compasso centrado em um dos pontos e depois no outro, e com um raio de comprimento menor do que a distância entre eles, mas maior do que a sua metade, trace dois arcos cruzando-se de um e do outro lado da linha reta horizontal. Ligando por uma linha reta os dois pontos de cruzamento, obtém-se a perpendicular à linha reta horizontal, passando pelo ponto central da distância entre os dois pontos iniciais marcados aleatoriamente na linha reta horizontal. Este procedimento que, provavelmente, vocês conhecem, é a reprodução geométrica exata da mediana de um triângulo isosceles, ou seja, é a verdade de uma propriedade realizada por uma configuração geométrica. Divirtam-se construindo figuras geométricas com uma régua e um compasso, tal como os gregos fizeram. Experimentem, por exemplo, construir uma estrela de Davi, “fechando-a” com um hexágono, mas sem “pular” nenhum passo.
Vejamos agora como os Pitagóricos chegaram à conclusão que 2 é um número infinito. Com a régua e o compasso construiram um quadrado, aplicando o procedimento das duas linhas retas perpendiculares, mas usando-as como diagonais. Unindo por retas os seus extremos, obtiveram um quadrado, dividido em quatro triângulos retângulos isosceles, onde o comprimento do lado do quadrado é 2 visto que o lado é a hipotenusa do triângulo. Com o compasso, projetaram o lado menor do triângulo sobre a correspondente hipotenusa e verificaram que a relação dos dois comprimentos não era uma relação exata. Tendo o lado menor como unidade, o comprimento da hipotenusa deu maior que 1 mas menor que 1,5. Após alguns anos desta constatação, Eudoxo,(405-355a.C.), apresentou a Teoria da Proporcionalidade, incluindo nela os triângulos semelhantes, isto é, aqueles cujos lados são proporcionais e cujos ângulos são iguais. Sendo os lados proporcionais, a relação não exata obtida pelos Pitagóricos, mantém-se não exata para qualquer outra subdivisão da unidade em partes iguais. Por outras palavras, dividindo a unidade em partes iguais, qualquer que seja o seu número, cria-se uma outra unidade em que a primeira é sua múltipla, onde em nada se altera na relação com a hipotenusa. Por isso, os Gregos não faziam questão da escala da régua, pois as propriedades geométricas mantêm-se independentemente do “tamanho” da unidade. É claro que esta conclusão a partir dos triângulos semelhantes não constitui uma demonstração, pois lidando com o infinito, ninguém pode afirmar que a subdivisão continua sempre com as mesmas propriedades. A comprovação veio mais tarde, cerca de 200 anos depois, quando Euclides demonstrou que a relação das duas grandezas do quadrado não pode ser um número inteiro. O método que Euclides empregou foi depois chamado reductio ad absurdum, do latim “redução ao absurdo”, que consiste em negar aquilo que se deseja provar, para no fim se chegar a uma conclusão totalmente inaceitável, comprovando que o que se negou estava certo. Este procedimento lógico só é válido se a proposição tiver apenas duas alternativas, ser ou não-ser, isto é, a proposição A é verdadeira visto que a proposição não-A é absurda. É o clássico álibi na ocorrência policial, quando o réu nega a acusação, provando estar em outro lugar no momento em que o crime foi cometido.
Voltemos a Euclides e à sua demonstração de que a 2 não pode ser representada por uma fração de números inteiros. Vejamos as premissas incontestáveis adotadas : 1) Qualquer número multiplicado por 2 é um número par ; 2) Se o quadrado de um número for par, então o número tem de ser também par. Assim sendo, consideremos que 2 = p / q . Esta fração pode ser sempre reduzida à sua expressão mais simples, isto é, aquela que resulta da eliminação de qualquer fator comum às duas grandezas. Elevando ao quadrado temos 2 = p / q ou seja : 2q = p . Mas como foi dito em 1) 2q é um número par e portanto p é também um número par. Mas se p é um número par, então por 2) p também é par. Sendo par, p pode ser substituido por 2 m, o que dá 2 q = (2 m) = 4 m . Dividindo por 2 ambos os lados da equação, temos q = 2m , quer dizer, q também é par. Sendo p e q ambos pares, então a fração p / q não está reduzida à sua expressão mais simples. Portanto, a conclusão contradiz a premissa inicial, logo a fração não tem representação em números inteiros. Esta demonstração de Euclides é muito interessante por ele ter abandonado a geometria, incapaz de resolver a questão, recorrendo aos números, usando-os segundo as classes e de acordo com as respectivas propriedades. De fato, a demonstração gira em torno de os números primos, os números inteiros >1, divisíveis somente por si mesmos e por 1. Reduzir à expressão mais simples, é eliminar os fatores comuns às duas grandezas, dividendo e divisor, isto é, reduzí-las a números primos. Isso não significa que ambas tenham que ser, obrigatoriamente, números primos, pois a relação depende da base ou módulo com que se inicia a progressão. Por exemplo, 5 e 9 são números primos entre si, visto que não têm nenhum fator comum, mas, no entanto, 5 é um número primo ao passo que 9 não é, pois 3x3 = 9. Os números não-primos são números compostos, sendo que um número composto pode ser sempre representado por um produto de números primos. Os números 0 e 1 não são números primos nem números compostos, porque são números “especiais”, a divisão por 0 é indeterminada, o 0 é um valor absoluto, que não divide nem é divisível e a divisão por 1 de qualquer número, repete esse número, ou seja, é o elemento neutro da multiplicação e, é claro, da divisão, assim como o 0 é o elemento neutro da soma e da subtração.
O procedimento de decompor um número em seus fatores, chama-se fatoração. Observe que o número 2 é o único número primo par, todos os outros, em número infinito, são ímpares. O fato de 2 ser o único primo par, é que leva à conclusão inaceitável na demonstração de Euclides, comprovando a existência do número irracional 2 .
A divisão é a operação inversa da multiplicação e é desta forma que o conceito de divisibilidade é definido. Dizemos que b divide a se existir um número inteiro c tal que a = bc. A notação da expressão “b divide a” é b| a . Se o traço vertical estiver cortado por um traço inclinado, isso significa que “b não divide a”. Do mesmo modo, dizemos que duas frações são iguais a / b = c / d quando a d = b c . De fato, para “desfazer” as divisões, os divisores b e d têm que “mudar de lado”, isto é, mudar de membro da equação, passar de um lado para o outro, invertendo a operação. Se em um membro estavam dividindo, passam a multiplicar no outro membro. Os divisores b e d passam a ser fatores, ou seja, ad = bc. Estes conceitos elementares da Teoria dos Números servem para fundamentar enunciados mais abrangentes. Vejamos por exemplo, o seguinte teorema : “Se um número primo p for tal que p | ab então é porque p | a ou p | b , ou seja, “traduzindo” : “se um número primo p for tal que divida ab , então é porque p divide a ou divide b ". Este teorema resulta da aplicação direta do conceito de divisão. De fato, se p é um número primo e se divide um outro número, é porque este é múltiplo de p, se não divide é porque são primos entre si. Por outras palavras, se p divide um número, é porque está “contido” nele, “faz parte dele”. Proceder desta forma com os números inteiros n>1, é obter a fatoração, isto é, a decomposição dos números em um produto de números primos. É claro que os números primos aparecem ou como números primos isolados, ou como potências cujas bases são números primos. Com isto chegamos ao Teorema Fundamental da Aritmética cujo enunciado é : “A fatoração de um número inteiro n>1 em números primos é única, independentemente da ordem dos seus fatores”. Esta afirmação de que a decomposição é única não se observa em toda a extensão dos números, obrigando a se recorrer aos números ideais. No entanto não devo me antecipar tratando um assunto tão difícil. Reservo-me para voltar a esta questão quando for oportuno.

Para encerrar esta LIÇÃO, temos que voltar aos números. O objetivo dos Gregos era o de interpretar as figuras geométricas, procurando conhecer todas as sua propriedades, porque nelas estava a “verdade”. A geometria de Euclides lida com comprimentos e ângulos, isto é, lida com quantidades, que para serem medidas, necessitam que se defina a respectiva unidade de referência. Assim, medir um comprimento é saber quantas unidades de referência estão contidas no comprimento a medir. Por isso, para os Gregos, os números inteiros eram suficientes para se obter todas as respostas que desejavam, pois seria absurdo pensar que um lado, por exemplo, teria um comprimento negativo. Além disso e pelo mesmo motivo, não sentiam falta do zero, que aliás desconheciam. De fato, o número zero veio da matemática hindu e foram os árabes que o introduziram no ocidente. Passemos agora aos ângulos. Medir ângulos é uma outra questão, que não tem nada a ver com medir comprimentos. Ângulo é uma figura geométrica formada por duas semi-retas - os lados - tendo o mesmo ponto de origem – o vértice – e cuja abertura dá a medida da sua grandeza. As duas semi-retas formam um plano, por isso, pode-se dizer que a abertura de um ângulo, é o quanto o lado considerado móvel, gira no plano em relação ao lado considerado fixo, no sentido anti-horário, que é o sentido positivo convencional. Deste modo, uma rotação completa do lado móvel em relação ao lado fixo, percorre todos os ângulos possíveis de um círculo, cujo centro é o centro de rotação das duas semi-retas. Agora, se dividirmos a circunferência de um círculo aleatório em 360 partes iguais, criamos a unidade de medida do ângulo, o grau, cuja quantidade contada a partir da semi-reta fixa, dá a abertura do respectivo ângulo. Julgo que todos vocês conhecem os ângulos notáveis do círculo : os ângulos de 45, 90, 180, 270 e 360 graus. Disse que podiamos escolher o círculo aleatoriamente, isto é, qualquer um, que a unidade, ou seja, o grau seria sempre o mesmo. De fato, essa é uma propriedade dos círculos concêntricos. Se dividirmos esses círculos no mesmo número de partes iguais, começando sempre no mesmo ponto, ao mesmo número de unidades correspondem, nos círculos concêntricos, pontos colineares, isto é, pontos situados em uma mesma semi-reta radial. Pode-se ter uma outra unidade de medida de um ângulo, a do arco de circunferência, cujo comprimento, seja igual ao do raio do respectivo círculo. Trata-se portanto de um círculo específico, o de raio unitário, escolhido aleatoriamente. Essa unidade é o radiano, cuja notação é rad. que faz parte do SISTEMA INTERNACIONAL DE UNIDADES.
Vejamos a justificativa desta unidade. Para que uma curva possa ser medida no seu comprimento, é preciso que seja retificável, quer dizer, que possa se transformar em uma linha reta, de tal modo, que a distância entre dois pontos da curva medida no respectivo arco, não se altere entre os mesmos pontos da linha reta correspondente. Isto só acontece se a curva for o limite superior de todas as linhas poligonais que nela se inscrevem, o que é o caso do arco circular. De fato, já vimos que o círculo é o limite superior de todas as poligonais fechadas, não cruzadas, inscritas no círculo, cuja circunferência só é alcançada quando o número de lados da poligonal for infinito. Além disso, precisamos de conhecer qual é a relação entre o perímetro do círculo, ou seja, entre o comprimento da circunferência , e o do respectivo diâmetro, valor esse que é representado pela letra grega (ler pi). Os babilônios e os antigos egipcios já tinham alguma noção desse número, pois foi lhes fácil obter o perímetro de uma roda , marcando um ponto na sua borda e rodando com ela sobre um chão plano onde deixasse o rasto em linha reta de uma rotação completa. Marcando no risco, a partir do início do perímetro, o comprimento do diâmetro da roda, concluiram que para atingir o final do perímetro, precisavam inserir 3 vezes o diâmetro, faltando ainda uma pequena extensão que não sabiam como medir.Verificaram também que se em vez do diâmetro, marcassem o raio da roda, obtinham em relação à metade do perímetro o mesmo número, e se fizessem o mesmo com vários tamanhos de roda o resultado era sempre o mesmo. Quer dizer, o número era uma constante. Na matemática, não existe nenhum número tão pesquisado quanto o número . A avaliação começou com a contribuição de Eudoxo, (405-355 a. C.), da teoria da proporção, da qual resultou o método da exaustão ou método das aproximações sucessivas, que consiste em considerar a seqüência dos perímetros de poligonos regulares, inscritos e circunscritos no círculo, à medida que aumenta o número de lados. As duas classes de polígonos convergem para o mesmo perímetro do círculo, a dos inscritos como limite superior e a dos circunscritos como limite inferior.
Arquimedes, (287-312 a.C.), considerado o maior matemático da Antigüidade, aplicou o método de Eudoxo, começando com hexágonos e dobrando o número de seus lados até atingir dois polígonos de 96 lados. Com essa aproximação, definiu que a relação da circunferência de um círculo com o seu diâmetro era menor que 3 . 1/7 e maior que 3. 10/71 , ou seja, na notação decimal 3,1408 ... e 3,1428 ... . Contribuiram para a avaliação de , astrônomos da India e da China e após a Idade Média, Fibonacci, (1180-1250), e outros, até que, finalmente, fixou-se o seu valor a partir do século XVII em = 3,14159265358979323846... . Esta expansão infinita, assim como a de 2 , são representações na notação decimal, que os gregos não conheciam. O número é também um número irracional como 2 , pois ambos representam expansões infinitas não-periódicas, mas o número é diferente, pertence ao grupo dos números que não satisfazem nenhuma equação algébrica, são os chamados números transcendentes. São números puros, constantes representando relações formais de grandezas matemáticas.
Convém esclarecer melhor por que é que uma expansão infinita periódica deve ser considerada como a representação de um número racional. Vejamos a fração 1/3 que é igual a 0,333 ... . Trata-se de uma dízima periódica, isto é, a representação decimal de um número inteiro, onde um ou mais algarismos repetem-se indefinidamente. É fácil de provar. Sabemos que 3x1/3 = 3/3 = 1 . Se em vez de 3x1/3 fizermos a mesma operação de multiplicação com 3x0,333 ... , temos 0,999 ... , ou seja, 1 = 0,999 ... , o que comprova que se trata de um número inteiro. Não devemos, portanto, confundir nas expressões decimais infinitas, as periódicas com as não-periódicas, visto que são representativas de diferentes classes de números.

Devido à sua extensão, julgo que o melhor é encerrar esta LIÇÃO, deixando para a próxima uma abordagem mais ampla da Teoria dos Números.

quarta-feira, 16 de maio de 2007

LIÇÃO Nº 1

A matemática atual é diferente da do passado em dois aspectos fundamentais : a abstração e a generalização. Estes dois conceitos estão relacionados entre si, porquanto é a abstração que possibilita a generalização e é a generalização que fornece novos “campos” à abstração. Como os números são considerados a primeira manifestação daquilo que se convencionou chamar de matemática, podemos admitir que contar foi a primeira atividade intelectual envolvendo a abstração. Saber quantas “coisas” possuimos, é realizar a abstração de um objeto real criando o protótipo da sua representação, isto é, criando a unidade, o número 1 que permite contar. Para os matemáticos, no entanto, a abstração começou quando se substituiram os números por letras, ou seja, quando se deu o grande “salto” de abertura da álgebra. Pórem, os Gregos da Antigüidade Clássica tinham da abstração um significado muito especial. Para Platão, (427-347 a.C.), um dos grandes filósofos da civilização ocidental, as figuras geométricas eram formas eternas, inalteráveis e incorpóreas, que somente podiam ser apreendidas pelo intelecto. Regras como “os ângulos internos de um triângulo somam 180º” ou “em um triângulo, a lados iguais opõem-se ângulos iguais”, representavam para Platão, verdades absolutas, abstrações de um mundo observável, a verdadeira “realidade” do universo.
Vejamos um pouco mais o tema da abstração. Um ponto, por exemplo. Para vocês, provavelmente, um ponto nada mais é do que um pequeno sinal circular no papel. Pois bem, na geometria, um ponto é uma abstração, apesar da sua representação visual. Parece bem estranho, mas é isso mesmo. Desenhe um triângulo e trace, entre o vértice e a base, um segmento de reta paralelo à base. É sempre possível fazer corresponder um ponto do segmento de reta intermediário a um ponto da base, traçando uma reta ligando o vértice ao ponto escolhido e prolongando-a até atingir a base. Imagine agora que essa reta gire, tendo o vértice como centro de rotação, indo de um lado ou outro do triângulo, isto é, “varrendo” os dois segmentos de reta simultaneamente. A conclusão a que se chega, é que os dois segmentos de reta, intermediário e base, têm o mesmo número de pontos, apesar de terem comprimentos diferentes. Se considerarmos que uma linha reta, qualquer que seja, é uma seqüência ininterrupta de pontos, todos iguais, a conclusão é absurda. Só pode ser válida, se admitirmos que os pontos não têm dimensões, são adimensionais. Assim, pode-se dizer que o ponto como entidade geométrica é um conceito abstrato. O mesmo acontece com a linha reta. O cruzamento de duas linhas retas é um ponto, que sendo adimensional, faz com que as duas linhas retas não tenham largura, ou seja, a reta é também um conceito abstrato.
Passemos à segunda característica, a generalização, e vejamos o seu significado e o vínculo com a abstração. Para tratar deste assunto é preciso “filosofar” um pouco. Suponhamos que eu esteja pensando na minha cadeira, aquela onde todos os dias me sento para trabalhar. Não é uma cadeira qualquer, é aquela única que conheço em todos os seus detalhes. Tem, portanto, uma “presença” real e exclusiva no meu pensamento. Imaginemos agora o oposto. Estou fora de casa, cansado, e procuro uma cadeira para me sentar. Estou interessado em encontrar um móvel despojado de tudo, menos da sua função precípua, o de ser uma cadeira. O que procuro é um objeto de uma classe de objetos, isto é, um elemento de um conjunto cujo critério de classificação é o mais geral possível, pois trata-se da propriedade que o define na sua essência abstrata. É claro, um conjunto assim tão amplo, pode ser dividido em subconjuntos, se fizermos uma classificação adicional dos seus elementos. Quer dizer, podemos agregar ao seu significado novas propriedades, desde que não afetem a propriedade básica, a de ser uma cadeira. Formamos desta forma subconjuntos do conjunto primordial.
Vejamos um exemplo do que dissemos acima, mas agora da geometria. Consideremos um polígono, (do grego, polys, muitos, + gonos, ângulos), a figura plana formada por uma linha poligonal fechada, não cruzada, como sendo a figura principal. Trata-se de uma figura de n lados, onde n é um elemento do conjunto de números inteiros positivos, cujo menor valor é 3. Ou seja um triângulo. Observe que na definição do polígono, o que se especifica é o número de ângulos, enquanto que a definição do triângulo refere-se ao número de lados. Isto faz pensar que não existe nenhuma relação entre os dois enunciados, o que não é verdade. De fato, qualquer que seja o polígono, o número de ângulos é sempre igual ao número de lados e, sendo assim, as duas definições são equivalentes. Consideremos os polígonos regulares, isto é, os que têm lados iguais, e escolhemos o mais simples de todos, o triângulo eqüilátero. Tracemos as suas medianas, ou seja, os segmentos de reta que unem os vértices aos centros dos lados opostos. O ponto de cruzamento das medianas, é o centro da circunferência circunscrita ao triângulo eqüilátero. Dividindo, sucessivamente, os lados ao meio e projetando os pontos da divisão na circunferência, pelas retas que unem esses pontos ao centro, os polígonos resultantes aproximam-se cada vez mais da circunferência, que é a figura limite quando o número de lados se torna infinito. No limite, os lados desaparecem e a figura resultante é um círculo. A duplicação dos lados a partir do triângulo eqüilátero, dá uma seqüência de números, onde a relação de qualquer um com o que o antecede, é sempre o número 2. Construir polígonos regulares subdividindo em partes iguais os seus lados, equivale a formar progressões geométricas, isto é, sucessões de números onde o quociente de dois termos consecutivos é uma constante denominada base ou módulo. Consideremos o conjunto dos números naturais, 1,2,3, ... Os três pontos que se seguem ao último número registado, significa que a seqüência prossegue indefinidamente. Suponhamos que seja n o termo geral da classe dos números naturais, isto é, aquele que representa qualquer número dessa classe. Além disso, apesar de não ser um número natural, vamos incorporar o zero, como aliás se faz na matemática moderna, o que explicarei em lição próxima. Temos então o seguinte conjunto 0, 1, 2, 3, ... , n, ... e com ele podemos montar a fórmula geral da progressão geométrica, do triângulo por exemplo. Portanto, o número 3 é o número inicial da progressão, seguido pelos múltiplos de 2, isto é, pelas potências de 2, formando o conjunto , o que dá a fórmula geral da progressão geométrica 3.. Os elementos da progressão obtêm-se substituindo o n do expoente por 0, 1, 2, 3, ... , 3., ... , levando em conta que é igual a 1. Assim, a progressão geométrica obtida a partir do triângulo é : , com os elementos colocados entre colchetes, por ser o sinal gráfico utilizado para completar a notação de um conjunto. Tudo isto é elementar, mas é preciso entender o objetivo de cada etapa para se compreender o significado final. O primeiro passo foi a abstração e a generalização, configurados no número n , o segundo passo a notação simbólica de potência, onde o expoente indica quantas vezes se repete a multiplicação da base por si mesmo. Observe que a notação de potência, permite mostrar que o produto de duas potências, que tenham a mesma base, é igual à base levantada à soma dos expoentes das duas potências. Esta notação é muito apreciada pelos matemáticos, que a consideram perfeita como representação.

No século V a.C., os Pitagóricos empenharam-se em descobrir todas as equivalências possíveis entre os elementos da geometria e os números inteiros. O grande número dessas correlações levou-os a afirmar que “tudo são números”. É realmente extraordinário que, há 2.500 anos, um pequeno grupo de “pesquisadores”, digamos assim, tenha chegado a essa conclusão, quando ainda nada se sabia sobre a natureza do mundo. Somente a partir do século XIX é que se começou a ter consciência da importância dos números e o papel que eles representam no conhecimento matemático.
Encerro assim esta LIÇÃO e despeço-me até à próxima.

domingo, 13 de maio de 2007

BEM-VINDOS ao site mathmodern.blogspot.com, um BLOG dedicado à MATEMÁTICA e dirigido aos estudantes do ensino médio e superior interessados em conhecer e entender a MATEMÁTICA MODERNA. Este que vos fala é The Mathman, o codinome do responsável pela publicação.
As matérias serão apresentadas numa seqüência de LIÇÕES, devidamente numeradas, a um ritmo que espero manter, de uma lição a cada quinze dias. Não se trata de nenhum programa didático ou de cursinho, ou qualquer outro destinado às escolas públicas ou privadas. As LIÇÕES não obedecem a nenhum curso preestabelecido de matemática. O meu objetivo é o de discorrer livremente sobre matemática moderna.
Pode ser que algum de vocês esteja pensando ; “Afinal, o que é isso de matemática moderna ? Sempre pensei que a matemática fosse uma só ! ”. Tem razão, a matemática é realmente uma só, mas teve uma profunda reformulação nas suas concepções básicas com a introdução da Teoria dos Conjuntos, do matemático alemão Georg Cantor, (1845-1918). Na Europa, o ensino da matemática nas escolas públicas, adotou a partir de 1950, a nova linguagem da Teoria dos Conjuntos, provocando um impacto negativo tão grande, que obrigou os responsáveis a rever toda a matéria escolar para adequá-la à nova situação,
A nova matemática, que passou a ser chamada de matemática moderna, não é tão recente quanto o seu nome faz supor. Em 1906 – há 101 anos portanto – Felix Klein, (1849-1925), renomado matemático alemão, protestou com veemência contra o caos instalado nas escolas públicas, pleiteando a renovação dos métodos de ensino. Vejamos o que ele disse no seu livro Elementary Mathematics from na Advanced Standpoint – Arithmetic, Álgebra, Analysis, Ed. Dover Publications, Inc., N.Y., 2004 ; “Nos anos recentes, (repito, foi escrito em 1906), surgiu entre os professores universitários de matemática e de ciência natural, um interesse cada vez maior por um treinamento adequado dos candidatos a altos postos de ensino. Isto realmente é um fenômeno novo. Anteriormente e durante muito tempo, os professores universitários estavam preocupados exclusivamente com as suas ciências, sem nunca pensar no necessário para o ensino secundário, nem sequer o de cuidar em estabelecer uma conexão com a matemática escolar. Qual foi o resultado dessa prática ? O jovem estudante universitário defronta-se, logo de início, com problemas que não lhe sugerem em nada aquilo que aprendeu até então e, naturalmente, esquece tudo isso rápida e completamente. Terminado o curso torna-se professor e de repente, vê-se na expectativa de ter que ensinar a matemática elementar tradicional, na velha maneira pedante. Sendo realmente incapaz e como ninguém o ajuda a discernir uma conexão entre a sua tarefa e a matemática universitária, renuncia à nobre missão de ensinar, restando dos estudos universitários, apenas lembranças mais ou menos agradáveis, sem nenhuma influência naquilo que ensina”.
Julgo suficiente este comentário de Felix Klein, para vocês reconhecerem que a nossa atual situação de ensino da matemática é, em tudo, semelhante à que ele repudiou há 101 anos. Como se explica a profunda decadência do ensino da matemática ? A classe académica, salvo as excepções de praxe, vive há muito tempo mergulhada em um clima de ignorância e preconceito, que bloqueia toda tentativa de mudança nos seus métodos de ensino. Para não correr o risco de falhar na inclusão dos novos conceitos, adotou-se a medida fácil de juntar tudo no mesmo “pacote”, sem a menor preocupação quanto ao impacto que essa decisão causaria nos métodos de ensino. O resultado está aí para quem quiser ver, no registro das estatísticas do baixissimo aproveitamento dos alunos.

Quero agora chamar a vossa atenção para algumas características fundamentais da matemática, que devem ser levadas em conta neste vosso aprendizado. Um aspecto particular da matemática, sem dúvida revelador da sua natureza, refere-se às suas teorias, que uma vez corretamente formuladas, nunca se tornam obsoletas. Por isso, no seu ensino, é inevitável ter que se citar todos aqueles que desde a Antigüidade contribuiram para a sua evolução. Os teoremas de Pitágoras e de Euclides, por exemplo, continuam hoje tão atuais como quando foram enunciados há mais de 2.000 anos, tendo presença obrigatória no ensino da matemática. É importante ter consciência da continuidade histórica, por isso, quando se faz referência, pela primeira vez, a um autor, indica-se sempre, após o nome, o ano do seu nascimento e o da sua morte. Não só dos matemáticos, mas também dos filósofos, cuja participação foi fundamental, principalmente no que diz respeito à lógica matemática. Pitágoras (c. 500 a.C.) e Euclides (c. 300 a.C.) são exemplos desse detalhe, onde c. significa “cerca de” e 500 e 300 o número de anos “antes de Cristo”, a.C. abreviatura de “ante Christum” em latim. Outras abreviaturas históricas surgem também na linguagem matemática, como QED do latim “Quod erat demonstrandum”, significando “como ficou demonstrado”, utilizado no final de uma demonstração para marcar o seu encerramento. No século III a.C., Euclides já usava este fecho, mas, é óbvio, no seu equivalente em grego. Hindús e arabes também contribuiram para a matemática e palavras como algarismo, álgebra, algoritmo são de origem árabe. O que se recomenda aos interessados é que procurem ter um mínimo de conhecimento histórico, pois isso enriquece a cultura geral e esclarece o aprendizado.
Outra questão que afeta o ensino da matemática é a sua linguagem, porquanto é preciso expressar todas as proposições com precisão absoluta, livres de ambigüidades, contradições, ou qualquer tipo de insuficiência. O significado dos “termos” tem de ser universal, sem se sujeitar a interpretações ou subjetividades, por isso a linguagem é formada por símbolos que correspondem a propriedades, sem que ocorram exceções. É uma linguagem concentrada ao extremo, despojada de tudo que possa ser supérfluo, onde todos os símbolos se combinam para expressar as estruturas. É um meio de comunicação feito exclusivamente para ser escrito e lido, não para ser falado. O que falamos correntemente qualquer que seja a língua, não serve para a matemática, por estar sujeito a inúmeras composições e interpretações. Mas para se aprender a simbologia formal da matemática, não existe outra maneira senão a de recorrer à nossa fala habitual das palavras do nosso dia-a-dia, tentando transmitir, informalmente, a “idéia” que reside embutida na roupagem formal. O que acontece no nosso ensino da matemática, é que se “empurra” para cima do aluno toda a simbologia formal, transformando a “ferramenta” criada para facilitar o seu aprendizado, em uma barreira intransponível. No decorrer das lições este tema voltará a ser tratado.

O sucesso deste BLOG depende do interesse e divulgação dos seus leitores. Só terá sentido se não desistirem diante das dificuldades e se os leitores forem em número razoável. Tenho plena consciência das dificuldades que vou enfrentar, pois ensinar matemática nunca foi uma tarefa fácil. Conta-se que Menaechmus, (375-325 a.C.), discípulo de Platão, solicitado por Alexandre o Grande, de quem era tutor, a lhe dar lições fáceis, respondeu : “Em geometria não existe estrada de reis”. Ninguém conhece a matemática toda, tão ampla e diversificada ela é, mas há nela uma lógica, uma “maneira de ser”, que faz com que o matemático se sinta sempre “em casa”. Este é o meu objetivo em relação a vocês.
É só o que tenho a dizer nesta apresentação. Despeço-me até à próxima LIÇÃO.