quarta-feira, 13 de junho de 2007

LIÇÃO Nº 3

Falar em números é recordar tempos de infância, quando aprendemos a contar no sistema decimal dos 10 dedos das mãos. Nada parecia tão “natural”quanto essa maneira de contar que a natureza nos tinha concedido. Os números naturais 1, 2, 3, 4 , 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, ... era tudo o que precisavamos para a nossa aritmética elementar.
Os números naturais são a classe dos números inteiros positivos, um conjunto ordenado constituido por uma seqüência de símbolos, representando quantidades, com os quais é possível estabelecer correspondências um-a-um com objetos de outras classes. Em resumo, é possível contar esses objetos mediante os números naturais. Esta definição é válida para qualquer sistema numérico, visto que se trata da definição dos números cardinais, isto é, de um conjunto enumerável finito e da correspondência biúnivoca de um número n – o número cardinal – sobre o subconjunto 1, 2, 3, ..., n dos números naturais (bijeção). Quer dizer, a bijeção é a correspondência entre os elementos de dois conjuntos, tal que a cada elemento de um conjunto corresponde um e só um elemento do outro conjunto. Assim, a correspondência um-a-um entre dois conjuntos iguais, serve para um conjunto, o dos números naturais, identificar o outro conjunto, o dos números cardinais. Em relação aos números naturais, há ainda algo fundamental a ser dito. As operações aritméticas de adição e multiplicação fazem parte da “natureza” desses números, da sua essência, visto que somar e multiplicar dá sempre como resultado números também naturais. Estas operações significam apenas deslocamentos dentro de um conjunto fechado, o que é a idéia básica dos números naturais. Vejamos agora a operação inversa da adição, ou seja, a subtração. Com os números naturais, só é possível realizar a subtração, quuando o diminuendo for maior que o diminuidor, caso contrario, o resultado seria um número negativo, que não existe na classe dos números naturais. Para que a subtração tenha a mesma abrangência da adição, isto é, para que possa ser realizada independentemente dos valores envolvidos, temos que expandir a classe dos números naturais, introduzindo o zero e os números negativos. Devemos aos hindus o conceito de zero e aos árabes o de nos terem transmitido esse conhecimento. Subtrair sem ou com números negativos, são procedimentos matemáticos diferentes. Subtrair significa “retirar o que foi colocado”, o inverso da adição e o sinal menos, – , é a notação dessa operação, o oposto ao sinal mais , + , da adição. Com os números negativos não é assim, o sinal – é incorporado ao número, podendo-se admitir a seguinte transformação : ab = a + ( – b). Quer dizer, a subtração passa a ser uma adição de um número positivo com um número negativo e, deste modo, a subtração tem a mesma abrangência da adição, ou seja, pode ser sempre realizada.
Juntando o zero e os números inteiros negativos aos números inteiros positivos, obtém-se a expansão dos números naturais, que passam a ser denominados números racionais. Para que a classe dos números racionais fique completa, temos que incluir as frações de números inteiros, desde que os quocientes sejam números inteiros ou dízimas periódicas na representação do sistema decimal. Consideremos um simples produto, por exemplo, 2x3 = 3x2 = 6. Podemos supor que o primeiro produto 2x3, significa 2 grupos de 3 unidades cada um e o segundo grupo 3x2, 3 grupos de 2 unidades cada um. O resultado é o mesmo, 6, visto que a ordem dos fatores é arbitrária., isto é, o produto tem a propriedade da comutação. No primeiro caso, 2 é o número natural que serve para contar e 3 é o número racional que serve para medir. No segundo caso é o inverso, 3 é o número natural que conta e 2 é o número racional que mede. O que dissemos quanto aos dois produtos, consiste em especificar, para cada um deles, o mútltiplo e o divisor.
Admitamos o conjunto dos números inteiros, incluindo o zero : 0, 1, 2,3, ... e que nele escolhemos um valor absoluto qualquer, de notação |a| , representado pelos dois números + a . Os múltiplos de a são os elementos do conjunto 0, a, 2a, 3a , ... , isto é, são todos os números da forma ka , onde k é um número inteiro. Se a for o número 2 e n um número inteiro, temos 2n , que representa todos os números pares. Já que estamos tratando dos números pares, aproveito para mostrar a vocês a correlação entre os elementos de dois conjuntos, o dos números naturais e os dos números inteiros pares :

Fazendo a correspondência um-a-um entre os elementos dos dois conjuntos como mostra a figura, chega-se à conclusão que eles têm o mesmo número de elementos, visto que ambos são conjuntos infinitos bem ordenados. Isto é, são conjuntos onde existe uma relação de ordem tal que todos os seus subconjuntos têm um elemento menor, ou seja, um “começo”. Como os números inteiros pares são um subconjunto dos números naturais, a conclusão é que “a parte é igual ao todo”, por serem os dois do mesmo “tamanho”. Parece um paradoxo mas não é, porque lidamos com o , isto é, com coleções infinitas todas iguais em tamanho, desde que sejam conjuntos enumeráveis é claro.
Voltemos aos divisores, ou melhor, à divisibilidade. A divisão, como já disse, é a operação inversa da multiplicação, mas não se limita a este conceito. Mesmo com números inteiros, a / b significa basicamente uma relação entre duas grandezas, e quando temos a igualdade de duaas frações, a / b = c / d , dizemos que existe a mesma relação de proporcionalidade. Se a / b = c / d é porque a . d = b . c , quer dizer, na multiplicação cruzada, o produto dos extremos é igual ao produto dos meios. Exemplo de grandezas proporcionais : 6/2 = 12/4 o que dá : 6x4 =2x12 = 24. Se substituirmos os meios por uma mesma incógnita temos a média proporcional de dois números a e b : a / x = x / b , ou seja, = a.b .
Um exemplo de grandezas proporcionais são as escalas aritméticas, onde as grandezas reais são representadas por comprimentos proporcionais. Por exemplo, um desenho na escala 1: 100 , significa que 1 cm no desenho corresponde a 100 cm = 1,00 m na configuração real. Uma régua de escalas é uma régua de seção transversal triângular, dando 2x3 = 6 escalas, usada pelos desenhistas para fazer desenhos. Outra régua que foi muito usada pelos calculistas de estruturas, foi a de escalas logarítmicas, onde as grandezas reais são representadas por comprimentos proporcionais aos logarítmos desses valores. Estas réguas facilitavam o cálculo, substituindo as multiplicações e divisões por, respectivamente, somas e subtrações Com os computadores, estas réguas de cálculo deixaram de ser usadas.
A relação entre duas grandezas pode ser simplificada sem que se altere o seu valor, desde que o numerador e o denominador tenham, pelo menos, um divisor comum. Eliminar o divisor comum consiste em reduzir a fração à sua expressão mais simples. Tendo vários divisores, o procedimento é obter o máximo divisor comum, o mdc, ou seja, o maior número inteiro que divida exatamente o numerador e o denominador. Para tanto, o procedimento consiste em divisões sucessivas, conhecido pelo nome de algoritmo de Euclides, que se baseia, é óbvio, no Teorema da Divisão que aprendemos na escola primária. Dividir um número inteiro positivo por outro, consiste, basicamente, em subtrair do primeiro – o dividendo – um múltiplo do segundo – o divisor – múltiplo esse chamado de quociente, obtendo-se dessa subtração uma diferença que é o resto ou resíduo. Quando o resto é zero, diz-se que a divisão é exata. Por outras palavras, a divisão é um procedimento que procura saber quantas vezes um dado número, o dividendo, contém um outro número, o divisor. Vejamos a aplicação do algoritmo de Euclides a um par de números, por exemplo, 3959 / 1591 :
3959 / 1591 dá resto 777
1591 / 777 dá resto 37
777 / 37 dá resto 0
O último divisor, 37 , dá resto 0 , isto é, 37 é o máximo divisor comum, o mdc, da fração, que, sendo assim, pode ser reduzida à expressão mais simples 107 / 43 , resultante da divisão dos termos da fração pelo mdc, ou seja, por 37.
Como vocês vêem, o algoritmo de Euclides é um procedimento que se repete em cada etapa, onde um par de números é submetido à divisão, obtendo-se um número inteiro positivo como quociente e um resto. A divisão começa com os números dados, sendo que nos passos seguintes, os números são formados pelo divisor anterior, como dividendo, e o resto como divisor. Em resumo, o que se procura é dividir o divisor em unidades cada vez menores, a fim de se alcançar a divisão exata. Quando o resto der 0 , o seu divisor é o mdc da fração. É claro que o conceito de algoritmo não veio do tempo de Euclides, pois foi formulado apenas no século XX. Chama-se algoritmo a uma seqüência finita de regras de operação, destinada a resolver um determinado problema. O procedimento de Euclides enquadra-se nesta definição, por isso é assim chamado. As regras do algoritmo têm de ser bem definidas, isentas de ambigüidades e contradições, para que possam ser aplicadas por computador, através de umna linguagem de programação adequada. O algoritmo, portanto, rege-se por uma lógica própria, que pode ser traduzida pela lógica da máquina. O nome de algoritmo veio da corruptela do nome do matemático árabe do século IX, Abu Ja’far Mohammed ibn Mûsâ al-Khowârizm.

Quero abordar mais uma questão antes de encerrar esta LIÇÃO. Como todos sabem, o Teorema da Divisão diz-nos que b = aq + r , onde q é o quociente e r o resto. Vejamos o que acontece quando fazemos uma série de divisões, tendo todas o mesmo resto para o mesmo divisor. Suponhamos, por exemplo, as divisões onde 7 é o divisor e 3 o resto. Tendo estes valores, as divisões dão os seguintes dividendos : 10 = 7.1 + 3 ; 17 = 7.2 + 3 ; 24 = 7.3 + 3 ; 31 = 7.4 + 3 , e assim sucessivamente. A conclusão é que o conjunto de dividendos 10, 17, 24, 31, ... forma uma progressão aritmética, isto é, uma sucessão onde a diferença entre dois termos consecutivos é uma constante, neste caso (7). Quando os números se relacionam desta forma, diz-se que existe entre eles uma relação de congruência, ou seja, são equivalentes pois têm o mesmo significado. Se a e b forem dois desses números, podemos então dizer que “a é congruente com b módulo m , se e somente se, m dividir (a – b)”. A notação correspondente é : a b (mod m), se e somente |m| (a – b) .
Observem no exemplo dado de progressão aritmética, que a diferença entre dois termos quaisquer, não consecutivos, é sempre de um múltiplo de 7, sendo que esse múltiplo é igual à diferença dos múltiplos de cada termo. Como disse, a relação de congruência é uma relação de equivalência e, por isso, devem ter, como na igualdade, as seguintes três propriedades :
Reflexiva : a a (mod m)
Simétrica : se a b (mod m), então b a (mod m)
Transitiva : se a b (mod m) e b c (mod m) então a c (mod m)
Vocês devem-se lembrar do que eu disse quanto à correspondência um-a-um da Teoria dos Conjuntos e da importância das transposições de um comjunto para o outro na definição das suas propriedades. Pois bem, com o módulo é um caso semelhante. O módulo é uma unidade de divisão que “mede o tamanho” dos números inteiros e sendo assim, podem-se estabelecer correspondências um-a-um entre os elementos de dois conjuntos finitos, o que constitui o fundamento da Teoria dos Grupos.
Reparem na propriedade reflexiva. Representa o princípio da identidade, aquele que nos diz que uma “coisa” é sempre igual a si mesma. No entanto, vocês, com certeza, lembram-se do que eu disse, de que os números naturais e os números inteiros positivos eram duas classes de números, diferentes entre si, apesar de terem a mesma representação simbólica. Se têm a mesma estrutura, isto é, se são isomorfos, então, podemos dizer que têm a propriedade reflexiva. Porém, se são classes diferentes, a propriedade passa a ser a simétrica. Podemos conciliar as duas posições, dizendo que a reflexiva é um caso particular da simétrica, onde um conjunto se relaciona consigo mesmo, como um objeto se relaciona com a sua imagem no espelho. Voltemos ao exemplo da progressão aritmética módulo 7. A seqüência de números 8, 15, 22, 29, ... são todos congruentes módulo 7, visto que 8-1 = 1x7, 15-1 = 2x7. 22-1 = 3x7, 29-1 = 4x7, e assim sucessivamente. Observem que tudo se passa como se após contar até 7, começassemos a contar novamente, repetindo essa contagem até esgotar o seu múltiplo. Podemos dizer o mesmo do ponteiro dos minutos de um relógio, que ao atingir 60 minutos, volta a contar novamente a partir do zero. Os minutos constituem, portanto, um grupo de números de 0 até 60, cujo módulo é 5. De fato, 60-5 = 55 = 11x5, 60-10 = 50 = 10x5, 60-15 = 45 = 9x5, e assim sucessivamente até 60-55 = 5 = 1x5. No relógio digital isto é evidente, pois é possível acertar os minutos sem alterar as horas. Já no relógio mecânico, o ponteiro das horas está interligado com o dos minutos, pelo que são as horas que constituem um grupo de números, de 0 até 12, cujo módulo é 1. Quer dizer, em chegando as 12 horas, os dois ponteiros coincidem e recomeça a contagem a partir do 0.
Chamo a vossa atenção para dois pontos importantes, que resultam do que eu disse anteriormente. Primeiro, todos os números que apresentem o mesmo resto, na divisão pelo mesmo divisor, são congruentes no módulo do divisor. Segundo, na divisão de um número qualquer por outro m, o resto é sempre um número da seqüência que vai de 0 até m-1, como mostra o Teorema da Divisão. Se m for um módulo, todos os números congruentes entre si módulo m, cobrem a seqüência de 0 até m-1, formando uma classe congruente.

Quero encerrar esta LIÇÃO voltando ao conceito de permutação. A Teoria das Probabilidades de que tantos falam, mas só poucos conhecem, lida com eventos em que cada evento, depende não só de vários fatores, mas também da seqüência em que estes acontecem. Assim, a análise combinatória é fundamental na avaliação das probabilidades dos eventos dessa natureza, onde o número de combinações possíveis em um evento de n fatores é igual a n ! , quer dizer, é igual a n fatorial, que é o produto da seqüência de números de 1 até n. Por exemplo, 5 ! = 1x2x3x4x5 = 120 combinações. Nos casos mais simples, os fatores formam somente um conjunto de grupos, mas nos mais complexos, os grupos dependem de subgrupos para a sua avaliação.

Fico por aqui. Até à proxima LIÇÃO.

2 comentários:

Francisco disse...

Achei interessante suas lições. Só acho que elas poderiam ser dívidas em lições menores, pois assim fica mais fácil de entender os assuntos abordados.

Francisco.
http://morfismo.blogspot.com

Mathman disse...

Agradeço o comentário que vou levar em consideração nas próximas lições.