domingo, 29 de julho de 2007

LIÇÃO 5

Como já dissemos, os sistemas numéricos foram sendo expandidos sucessivamente, à medida que se constatavam as suas insuficências. Expandir significa que o sistema expandido em cada etapa, engloba todos os sistemas anteriores. O sistema de números reais é considerado o sistema final, aquele onde foram atendidas todas as insuficiências. No entanto, para os matemáticos, o sistema realmente completo é o representado pelos números complexos, apesar de estes não resultarem da expansão dos números reais. Porém, não quero antecipar-me tratando agora deste assunto, que deve aguardar a sua oportunidade.

Os números reais incluem os números irracionais, que são de “natureza” diferente dos anteriores. Estes, ou seja, os números racionais, são ilimitados, não existe número que seja o maior de todos. São seqüências ordenadas sem fim, não terminam nunca. Por isso, são chamados de infinitos. Só que esse infinito nunca é alcançado. Com os números irracionais não é assim, têm um limite, um valor, que não é ultrapassado. Além disso, esse valor só é atingido quando o número irracional for infinito, o que parece um paradoxo. O que acontece, é que o número irracional pode ser obtido por uma série convergente, isto é, por uma somatória infinita de termos, que se completa em um determinado valor quando atinge o infinito. Por esse motivo, Konrad Knopp, matemático alemão, fez o seguinte comentário em Infinite Sequences and Series, Ed. Dover Publications Inc. N. Y. , 1956 : “A designação ‘soma’ usada habitualmente para o valor de s é, apesar de tudo, infeliz. Porque s não é uma soma, mas na verdade o limite de uma seqüência de somas, especificamente, a seqüência de somas parciais de séries. Isto é especialmente enganador, pois leva a crer que se pode operar com séries infinitas exatamente como se fossem somas ordinárias, ou seja, como somas tendo um determinado número finito de termos.” Esta característica dos números irracionais fica bem evidente na representação desses números na forma de frações contínuas. A fração contínua consiste na soma de um número com uma fração, onde esta por sua vez, é também a soma de um número com uma fração e assim sucessivamente, ad infinitum. Assim, a 2 tem a seguinte expressão :

1

2 = 1+ -------------------------

1

2 + ------------------

1

2 + ------------

2 + ...


Agora se nesta fração contínua, separarmos as frações parciais a partir do número 1 para a direita, considerando, sucessivamente, somente a parte até cada número 2 , os valores obtidos formam a seguinte seqüência de valores :

1/1, 3/2, 7/5, 17/12, ... , onde cada denominador é a soma do numerador com o denominador da fração anterior e o numerador, por sua vez, é a soma do seu denominador com o denominador da fração anterior. Esta seqüência de números racionais, apresenta uma característica muito interessante, os seus valores são, alternadamente, menores e maiores do que 2. Assim, a seqüência em questão é a “combinação” de duas seqüências convergentes, que podem perfeitamente ser consideradas em separado, uma da outra. A observação importante a fazer, é que esses valores parciais são meras aproximações, visto que não representam o número irracional 2 que é infinito.

Porém, como já dissemos, os números racionais e os números irracionais fazem, ambos, parte do sistema de números reais. Além disso, todos os números dessas duas categorias, podem ser representados por pontos de um eixo numérico, onde, como também já dissemos, são entidades geométricas adimensionais, o que pressupõe a continuidade no eixo numérico. Tratando-se de sistemas ordenados, Richard Dedekind, (1831-1916), matemático alemão, tomando por base os conceitos acima, definiu que a continuidade numérica estava garantida, quando fosse possível realizar um corte separando os números em duas classes, onde qualquer número de uma das classes estaria “posicionado” em relação a qualquer número da outra classe. A continuidade existiria se e somente se, no corte, uma classe estivesse “aberta” e a outra “fechada”. Quer dizer, considerando da esquerda para a direita, a classe da esquerda não teria o último elemento, ao passo que a classe da direita teria o primeiro elemento ou vice-versa. Esta definição corresponde exatamente ao caso das duas seqüências de 2, onde tanto uma como outra se enquadram nas condições exigidas pelo corte. Se considerarmos agora no sistema de números reais, somente os números racionais, verificamos que as condições de corte não se apresentam, por existirem intervalos que são preenchidos pelos números irracionais. Em resumo, o sistema de números reais engloba dois tipos de corte, o dos números racionais e o dos números irracionais. O primeiro, em que a unidade de medição se repete indefinidamente, estabelecendo uma correspondência uma-a-uma, similar e isomórfica, entre os números racionais e os números naturais e o segundo, em que a unidade de divisão evolui, convergindo para o valor limite do número irracional onde se dá o corte. Quanto aos números racionais decorrentes das interrupções no valor infinito do número irracional, eles não correspondem a nenhum corte, são apenas aproximações sucessivas a esse valor.

Vejamos um exemplo muito simples da distinção entre séries finitas e infinitas. Consideremos a série finita 1 – 1 + 1 – 1... +- 1 e que inserimos parenteses agrupando os seus números dois a dois (1 – 1) + ( 1 – 1) + ( 1 – 1 ) + ... . Se o número de elementos for par a soma será 0 , se for ímpar será 1, independentemente da ordem com que os pares podem ser agrupados. Ou seja, a série finita tem a propriedade associativa da soma. Admitamos agora que a mesma série é infinita. Se ao pares forem agrupados ( 1 – 1 ) + ( 1 – 1 ) + ... o resultado da soma será 0, mas se forem agrupados 1 – ( 1 – 1 ) – ( 1 – 1 ) – ... o resultado da soma será 1, o que mostra que a propriedade associativa não se aplica neste caso.



Bem, fico por aqui. Até a próxima LIÇÃO.


LIÇÃO 4

Voltemos aos números e à sua evolução. Vimos como eles se expandem à medida que revelam as suas insuficiências no atendimento às quatro operações aritmétricas. Dos números naturais passamos aos números inteiros positivos, e juntando a estes o zero, os números inteiros negativos e os números fracionários, obtivemos os números racionais. Também mostramos como os números racionais se “camuflam”, assumindo formas infinitas de dízimas periódicas, sem perder a sua natureza. O sistema dos números racionais, tal como o dos números naturais e o dos números inteiros, é um sistema ordenado, quer dizer, dados dois números do sistema, pode-se sempre afirmar que um em relação ao outro, ou é maior ou é menor. Entre dois números naturais consecutivos não se pode inserir um outro número natural, isto é, os números naturais têm uma seqüência numérica única e definitiva. Os números racionais têm uma estrutura diferente, entre dois múmeros racionais sempre existe um outro número racional. Por isso, diz-se que este sistema tem uma estrutura específica diferente, ela é “densa”. Por sua vez, o sistema de números racionais também teve que ser expandido, para absorver os números irracionais, que se dividem em números algébricos e números transcendentes. Algébricos quando satisfazem equações algébricas com coeficientes racionais e transcendentes caso contrário. Estes últimos são números isolados, infinitos e não-periódicos, que representam grandezas numéricas. Apesar da distribuição dos números racionais ser densa, há, na verdade, muito mais números irracionais que racionais. Se juntarmos os números irracionais aos racionais, formamos o sistema dos números reais. Este sistema é muito diferente dos anteriores que lidam apenas com números inteiros, ao passo que os números reais incluem todos os números infinitos não-periódicos. Consideremos uma linha reta horizontal e marquemos nela, aleatoriamente, um ponto, que definimos como sendo o O. Do lado direito e a uma distância, também aleatória, do ponto O, marquemos outro ponto, que definimos como sendo o 1. Temos assim um eixo numérico, onde com estes dados, podemos distribuir na linha reta, todos os números. O eixo numérico é uma representação interessante, uma visualização das classes de números, que ajuda a compreender as suas naturezas. Admitamos os números naturais, aos quais adicionamos o O. A seqüência dos números naturais vai-se desenvolvendo a partir do O para a direita, de uma forma contínua e ilimitada. Eles têm um começo, o zero, mas não têm fim, do lado direito, vão até ao infinito. Para entender os números naturais, é preciso conhecer os axiomas de Giuseppe Peano. (1858-1932), matemático italiano, que foi quem definiu as propriedades desses números :

1. O zero é um número.

2. Qualquer número natural ou o zero, a , tem um sucessor imediato. a + 1.

3. O zero não é sucessor de nenhum número natural.

4. Não existem dois números com o mesmo sucessor imediato.

5. Qualquer propriedade que seja do zero e também do sucessor imediato de qualquer número natural, é uma propriedade de todos os números naturais.

O último axioma é chamado de axioma da indução, por ser o que permite afirmar que os números naturais prosseguem indefinidamente. Realmente, os números naturais desenvolvem-se repetindo continuadamente um único passo, o do axioma 2. Isto é, ao avançar de um número, o conjunto volta exatamente à mesma condição anterior, o que permite induzir que a sua repetição é contínua e ad infinitum. Já vimos que é possível realizar a correspondência biunívoca dos elementos do conjunto dos números cardinais sobre os elementos do conjunto dos números naturais, ou seja, o número cardinal n , resulta da bijeção de um conjunto enumerável e finito sobre o subconjunto 1, 2, 3, ..., n dos números naturais. Os números cardinais representam, portanto, um número infinito de conjuntos finitos ordenados, quer dizer, conjuntos cujas seqüências obedecem a uma lei de formação, o axioma 2 de Peano. Assim se a e b forem dois números quaisquer, eles devem satisfazer uma e só uma das seguintes relações a < b , a = b , a > b . É claro que no caso dos números cardinais, esta lei fundamental da aritmética só se verifica para as desigualdades, pois a igualdade fica restrita à identidade a = a , visto que dois números cardinais nunca podem ser iguais. Além disso, apesar de ocorrerem referências a “infinidades”, não significa que nos números cardinais, o infinito esteja envolvido. Talvez teria sido melhor dizer que os números cardinais são ilimitados e não em número infinito. De fato, por maior que seja o número cardinal considerado, a sua posição não se altera na seqüência ilimitada dos números, não fica nem mais próximo nem mais afastado do ilimitado, pois não existe algo que possa qualificar-se como “infinito”. Não obstante Cantor, de quem já falei, mostrou que os números reais são inumeráveis, isto é, não é possível contá-los, mas apesar disso, podem ser agrupados em conjuntos eqüipotentes, representados pelo mesmo número cardinal. São os chamados números transfinitos. Vejamos por quê. Consideremos o eixo numérico conforme apresentado. Por meio de régua e compasso, tracemos uma reta perpendicular ao eixo passando pelo ponto 1. Marquemos nessa reta um outro ponto, tendo a mesma distância que o ponto 0 tem do ponto 1. Liguemos o novo ponto ao ponto 0 por uma reta. Obtemos assim, a hipotenusa de um triângulo retângulo de lados adjacentes iguais, cujo valor é a raiz quadrada de 2, um número irracional. Com o compasso centrado no ponto 0 e com a abertura da hipotenusa, podemos marcar no eixo numérico esse número infinito. De modo análogo podemos proceder em relação ao número p , ou seja, obter no eixo numérico o ponto correspondente ao seu valor. Aliás, isso já foi feito, quando dissemos que a curva circular é retificável, quer dizer, obtém-se o ponto marcando, no eixo, o perímetro de um círculo cujo diâmetro é considerado a unidade de medição. O que significam estes procedimentos ? Será que um número infinito, pode ter um ponto como sua representação no eixo numérico ? Sendo o infinito inantigível, como pode um número infinito ter um ponto como sua “imagem” ? Para responder a estas questões, é preciso definir os conceitos de limite e de continuidade.

Fico por aqui. Até à próxima LIÇÃO