quarta-feira, 16 de maio de 2007

LIÇÃO Nº 1

A matemática atual é diferente da do passado em dois aspectos fundamentais : a abstração e a generalização. Estes dois conceitos estão relacionados entre si, porquanto é a abstração que possibilita a generalização e é a generalização que fornece novos “campos” à abstração. Como os números são considerados a primeira manifestação daquilo que se convencionou chamar de matemática, podemos admitir que contar foi a primeira atividade intelectual envolvendo a abstração. Saber quantas “coisas” possuimos, é realizar a abstração de um objeto real criando o protótipo da sua representação, isto é, criando a unidade, o número 1 que permite contar. Para os matemáticos, no entanto, a abstração começou quando se substituiram os números por letras, ou seja, quando se deu o grande “salto” de abertura da álgebra. Pórem, os Gregos da Antigüidade Clássica tinham da abstração um significado muito especial. Para Platão, (427-347 a.C.), um dos grandes filósofos da civilização ocidental, as figuras geométricas eram formas eternas, inalteráveis e incorpóreas, que somente podiam ser apreendidas pelo intelecto. Regras como “os ângulos internos de um triângulo somam 180º” ou “em um triângulo, a lados iguais opõem-se ângulos iguais”, representavam para Platão, verdades absolutas, abstrações de um mundo observável, a verdadeira “realidade” do universo.
Vejamos um pouco mais o tema da abstração. Um ponto, por exemplo. Para vocês, provavelmente, um ponto nada mais é do que um pequeno sinal circular no papel. Pois bem, na geometria, um ponto é uma abstração, apesar da sua representação visual. Parece bem estranho, mas é isso mesmo. Desenhe um triângulo e trace, entre o vértice e a base, um segmento de reta paralelo à base. É sempre possível fazer corresponder um ponto do segmento de reta intermediário a um ponto da base, traçando uma reta ligando o vértice ao ponto escolhido e prolongando-a até atingir a base. Imagine agora que essa reta gire, tendo o vértice como centro de rotação, indo de um lado ou outro do triângulo, isto é, “varrendo” os dois segmentos de reta simultaneamente. A conclusão a que se chega, é que os dois segmentos de reta, intermediário e base, têm o mesmo número de pontos, apesar de terem comprimentos diferentes. Se considerarmos que uma linha reta, qualquer que seja, é uma seqüência ininterrupta de pontos, todos iguais, a conclusão é absurda. Só pode ser válida, se admitirmos que os pontos não têm dimensões, são adimensionais. Assim, pode-se dizer que o ponto como entidade geométrica é um conceito abstrato. O mesmo acontece com a linha reta. O cruzamento de duas linhas retas é um ponto, que sendo adimensional, faz com que as duas linhas retas não tenham largura, ou seja, a reta é também um conceito abstrato.
Passemos à segunda característica, a generalização, e vejamos o seu significado e o vínculo com a abstração. Para tratar deste assunto é preciso “filosofar” um pouco. Suponhamos que eu esteja pensando na minha cadeira, aquela onde todos os dias me sento para trabalhar. Não é uma cadeira qualquer, é aquela única que conheço em todos os seus detalhes. Tem, portanto, uma “presença” real e exclusiva no meu pensamento. Imaginemos agora o oposto. Estou fora de casa, cansado, e procuro uma cadeira para me sentar. Estou interessado em encontrar um móvel despojado de tudo, menos da sua função precípua, o de ser uma cadeira. O que procuro é um objeto de uma classe de objetos, isto é, um elemento de um conjunto cujo critério de classificação é o mais geral possível, pois trata-se da propriedade que o define na sua essência abstrata. É claro, um conjunto assim tão amplo, pode ser dividido em subconjuntos, se fizermos uma classificação adicional dos seus elementos. Quer dizer, podemos agregar ao seu significado novas propriedades, desde que não afetem a propriedade básica, a de ser uma cadeira. Formamos desta forma subconjuntos do conjunto primordial.
Vejamos um exemplo do que dissemos acima, mas agora da geometria. Consideremos um polígono, (do grego, polys, muitos, + gonos, ângulos), a figura plana formada por uma linha poligonal fechada, não cruzada, como sendo a figura principal. Trata-se de uma figura de n lados, onde n é um elemento do conjunto de números inteiros positivos, cujo menor valor é 3. Ou seja um triângulo. Observe que na definição do polígono, o que se especifica é o número de ângulos, enquanto que a definição do triângulo refere-se ao número de lados. Isto faz pensar que não existe nenhuma relação entre os dois enunciados, o que não é verdade. De fato, qualquer que seja o polígono, o número de ângulos é sempre igual ao número de lados e, sendo assim, as duas definições são equivalentes. Consideremos os polígonos regulares, isto é, os que têm lados iguais, e escolhemos o mais simples de todos, o triângulo eqüilátero. Tracemos as suas medianas, ou seja, os segmentos de reta que unem os vértices aos centros dos lados opostos. O ponto de cruzamento das medianas, é o centro da circunferência circunscrita ao triângulo eqüilátero. Dividindo, sucessivamente, os lados ao meio e projetando os pontos da divisão na circunferência, pelas retas que unem esses pontos ao centro, os polígonos resultantes aproximam-se cada vez mais da circunferência, que é a figura limite quando o número de lados se torna infinito. No limite, os lados desaparecem e a figura resultante é um círculo. A duplicação dos lados a partir do triângulo eqüilátero, dá uma seqüência de números, onde a relação de qualquer um com o que o antecede, é sempre o número 2. Construir polígonos regulares subdividindo em partes iguais os seus lados, equivale a formar progressões geométricas, isto é, sucessões de números onde o quociente de dois termos consecutivos é uma constante denominada base ou módulo. Consideremos o conjunto dos números naturais, 1,2,3, ... Os três pontos que se seguem ao último número registado, significa que a seqüência prossegue indefinidamente. Suponhamos que seja n o termo geral da classe dos números naturais, isto é, aquele que representa qualquer número dessa classe. Além disso, apesar de não ser um número natural, vamos incorporar o zero, como aliás se faz na matemática moderna, o que explicarei em lição próxima. Temos então o seguinte conjunto 0, 1, 2, 3, ... , n, ... e com ele podemos montar a fórmula geral da progressão geométrica, do triângulo por exemplo. Portanto, o número 3 é o número inicial da progressão, seguido pelos múltiplos de 2, isto é, pelas potências de 2, formando o conjunto , o que dá a fórmula geral da progressão geométrica 3.. Os elementos da progressão obtêm-se substituindo o n do expoente por 0, 1, 2, 3, ... , 3., ... , levando em conta que é igual a 1. Assim, a progressão geométrica obtida a partir do triângulo é : , com os elementos colocados entre colchetes, por ser o sinal gráfico utilizado para completar a notação de um conjunto. Tudo isto é elementar, mas é preciso entender o objetivo de cada etapa para se compreender o significado final. O primeiro passo foi a abstração e a generalização, configurados no número n , o segundo passo a notação simbólica de potência, onde o expoente indica quantas vezes se repete a multiplicação da base por si mesmo. Observe que a notação de potência, permite mostrar que o produto de duas potências, que tenham a mesma base, é igual à base levantada à soma dos expoentes das duas potências. Esta notação é muito apreciada pelos matemáticos, que a consideram perfeita como representação.

No século V a.C., os Pitagóricos empenharam-se em descobrir todas as equivalências possíveis entre os elementos da geometria e os números inteiros. O grande número dessas correlações levou-os a afirmar que “tudo são números”. É realmente extraordinário que, há 2.500 anos, um pequeno grupo de “pesquisadores”, digamos assim, tenha chegado a essa conclusão, quando ainda nada se sabia sobre a natureza do mundo. Somente a partir do século XIX é que se começou a ter consciência da importância dos números e o papel que eles representam no conhecimento matemático.
Encerro assim esta LIÇÃO e despeço-me até à próxima.

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